Com o advento da pecuária, e no processo de triagem dos animais que hoje constituem os nossos gados (caprino, ovino, bovino…), os homens sacrificavam os ariscos e mantinham os mansos e gregários. Konrad Lorenz, fundador da etologia, ao estudar este procedimento, constatou que as reses desta forma selecionadas conservavam, na idade adulta, muitos caracteres infantis, tanto fisionômicos (olhos grandes, crânio bulboso, maxilar mais retraído…) como afetivos e comportamentais. Ora – pensou o cientista –, na natureza, os filhotes de mamíferos são, em geral, mais dóceis, sociais e obedientes a comandos externos que os espécimes maduros. Até as crias de animais de hábitos solitários, como o jaguar, são sociais, visto que dependem da genitora e dos seus irmãos de ninhada. Concluiu, então, que o infantilismo genético-constitucional – i.e., decorrente de mutações nos genes reguladores do desenvolvimento que começa na fecundação – foi o critério utilizado pelos pecuaristas neolíticos. Em miúdos: o processo de domesticação se deu por meio da infantilização. Este fenômeno biológico, Lorenz denominou "neotenia".
O etólogo, entretanto, foi mais longe: sustentou que a neotenia também se dá de modo espontâneo, por seleção natural, consistindo numa das vias filogenéticas de socialização dos vertebrados. A propósito, são espécies altamente infantilizadas e gregárias: o cão selvagem, o macaco de Gibraltar (em tudo parecido com um babuíno jovem) e o bonobo (chimpanzé-anão).
E quanto a nós, Homo sapiens, o mais social dos animais, bicho "domesticado" pela cultura? Decerto que nosso neocórtex é produto de um desenvolvimento acelerado, não de um retardo. Algumas de nossas características, todavia, são claramente neotênicas. Com efeito, um feto desenvolvido de chimpanzé - Pan troglodites - assemelha-se bastante a um homem adulto: corpo pouco peludo, o semblante reto e uma caixa craniana grande relativamente à face. Demais, retemos das crianças o gosto por jogos e brincadeiras, a curiosidade exacerbada (que tantas vezes nos põe em perigo ou em situação de angústia), a capacidade de aprender…
Outra estrutura fenotípica que se manteve subdesenvolvida em nossa espécie é o sistema límbico: sede neuronal das emoções. Sim, é provável que o principal traço infantil que herdamos de nossos ancestrais consista naquele afeto comum a todos os mamíferos jovens: a dependência psíquica na relação com seus genitores, principalmente com a mãe. De fato, somente entre nós e nos bonobos a relação genitora-progênie dura a vida toda. - Nos anais da primatologia, há registros de chimpanzés-anões "adultos" que, não suportando o falecimento da mãe, em pouco tempo adoecem e morrem. (Complexo de Édipo?)
Já os humanos, ao contrário dos bonobos e graças a nossa capacidade ímpar de abstração, podemos preencher o buraco deixado pela morte ou falhas dos pais – estes são tão infantis e desamparados quanto os filhos – por equivalentes simbólicos: Deus-Pai, Mãe de Deus, Pátria-Mãe, a Razão maiúscula, as leis do (mater) ialismo histórico… em suma, qualquer coisa grande que explique nossa origem, aponte nosso destino e nos ajude a discernir o certo do errado.
Por fim, como me disse a psicanalista Maria Helena Cardoso, "a mãe é o maior órgão do corpo humano". Ora, quando a dor física é excruciante, o espírito se identifica cabalmente com a matéria: o corpo e, por conseguinte, com seu órgão mais importante. Foi o que ocorreu, presumo, com o escritor e cineasta Pier Paolo Pasolini no momento do seu assassinato. De acordo com o depoimento de Valdetti, suposta testemunha, enquanto era brutalmente espancado – por um bando neofascista ou garotos de programa – Pasolini, como uma criança órfã ou perdida, apenas gritava: "Mamma! Mamma!…"
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