Conversa de Nilto Maciel com Cláudio B. Carlos (CC)
(Cláudio B. Carlos)
Conheço (virtualmente) Cláudio B. Carlos (CC) há poucos dias. Ele vive no extremo sul do Brasil, Santa Cruz do Sul, centro do Rio Grande do Sul. Eu, em Fortaleza, nordeste brasileiro. Conhecemo-nos porque somos escritores e temos acesso à Internet. Há alguns anos, talvez não fosse possível esta entrevista. Em 17 de outubro deste ano ele me mandou um e-mail (o que deve ter feito a outras dezenas de pessoas), para se apresentar: Estou no blog “Jamé Vu” (site criado e editado por Homero Gomes) e gostaria de ser lido por você. E se desculpava por se mostrar, sem ser conhecido: “Nem é por mim que envio, mas pelo site (que é ótimo e vale a pena)”. Senti-me curioso do blog, pelo nome. Li o conto dele: “Um arado rasgando a carne”. Fiquei fascinado. A partir daí, não mais deixamos de conversar. E lhe propus uma entrevista à distância. Quis entrevistá-lo exatamente porque não o conhecia, nunca tinha ouvido falar o seu nome, e acredito ser ele um desconhecido da maioria dos leitores brasileiros de prosa de ficção e poesia. E porque quero ser diferente dos outros entrevistadores. Afinal, não sou jornalista, não trabalho como jornalista e tudo o que escrevi e escrevo é apenas para ser lido.
Cláudio é poeta e prosador, nascido em 22 de janeiro de 1971, em São Sepé, RS. Desde 2005 se expõe na internet (www.balaiodeletras.blogspot.com). Em 2010 criou O Bodoque – Grupo de Escritores. Publica experimentos poéticos em áudio e vídeo nos seguintes endereços: www.balaiodeletras2.blogspot.com www.baudemelodias.blogspot.com http://soundcloud.com/claudiobcarlos. Tem poemas e narrativas publicados em diversos sites, revistas e jornais. No ano de 2001, enquanto capinava o pátio (em Restinga Seca, RS), se autonobilitou Visconde de Aponem. Comunicador de rádio (formado pela FEPLAM, na rádio da Universidade Federal de Santa Maria, RS). Começou carreira no rádio, aos treze anos de idade, em Restinga Seca, RS, na Sociedade Rádio Integração. Tem publicado, atualmente, através do Clube de Autores (site/editora).
Tem os seguintes livros publicados: Um arado rasgando a carne; O uniforme; O aprendiz de poeta; A pedra da realidade; Temporais atemporais tempo temporão; Liberdade vigiada & outros pequenos poemas que gritam...; O desnascer do nada; Lírica fedentina; O não-verbal; O espelho de Narciso; Sentimento Hiato; Memórias do Jirau; Narrativas mínimas; O fiel da balança; Poemas da nulidade; Bocó de Mola; O Círculo. Com o Grupo O Bodoque publicou “Pequeno tratado sobre o grande nada & outras insignificâncias”.
A entrevista:
Nilto – Como e quando você percebeu que havia um bichinho (um vírus?) roendo você por dentro, esse verme chamado literatura?
Cláudio – Acho que com sete anos, mais ou menos, eu já brincava de escrever livrinhos. Eu me lembro que escrevia, cortava, e depois colava algumas folhas de caderno, como se fossem pequenos livros. Eu colava tudo com tenaz. Claro que, à época, não sabia o que isso significava. Para mim era apenas uma brincadeira. Sempre fui muito solitário. Tive uma infância solitária, uma adolescência solitária... Eu não tenho irmãos, e minha infância foi quase que toda passada em uma fazenda. Não tenho nenhuma (ou quase nenhuma) lembrança de crianças brincando comigo. Só tenho lembranças de tias velhas e suas conversas sobre o alheio. Infância chata, não? Não tínhamos muitos livros em casa. Eu me lembro de ver meu pai lendo, mas ele nunca me incentivou, nunca leu nada para mim. Acho que nunca vi minha mãe lendo. Não tive incentivo da família, e comecei a ler tarde (ler mesmo, por prazer). Só muito tempo depois é que fui perceber que aquelas brincadeiras de criança eram, na verdade, esses bichinhos roendo por dentro: bichinhos da Literatura. Na minha adolescência eu não entendia muito bem o que acontecia comigo (acho que nenhum adolescente entende, né?) e quando realmente me dei conta que escrevia poesia, achei que aquilo era um castigo. Afinal, pra que me serviria a poesia? Era algo que me afastava dos demais. Eu achava que os outros falavam coisas enfadonhas, se envolviam com coisas enfadonhas, eram enfadonhos. E a poesia, que nadava em meu sangue, me fazia estranho aos olhos dos outros. Via a poesia como algo que me afastava dos demais, me fazia sofrer. Passei a adolescência numa cidadezinha chamada Restinga Seca, no Rio Grande do Sul: outra chatice. Quando realmente entendi que a poesia era um ofício (isso aos vinte e poucos anos) comecei a levar uma vida bem parecida com o que chamam de vida normal. É bom que se diga que sou essencialmente poeta. Sou um poeta que também escreve prosa.
NM – O que é o Clube de Autores?
CC – O Clube de Autores é um site onde se pode “subir” o livro que se quer publicar. Funciona assim: o autor se cadastra no site e envia seu livro, em arquivo PDF. Uma vez no site, o livro poderá ser comercializado. É uma gráfica que trabalha sob demanda. Tenho publicado meus livrinhos através do Clube. É uma boa maneira de se publicar, desde que, além de escrever, se saiba “fazer” o livro. Tem muita merda publicada lá no Clube porque os “autores” não sabem fazer o livro. Não entendem de projeto gráfico, de diagramação, e às vezes nem sabem escrever mesmo (mandam arquivos com erros crassos)... Mas para quem sabe “fazer” é muito bom. Lá no Clube o autor não paga nada para publicar, nem fica com um caminhão de livros em casa. O autor vai comprando seus livros (com o desconto referente aos direitos autorais) conforme vai vendendo, ou distribuindo por aí. Os leitores compram através do site, e o autor recebe seus direitos. Tudo certinho. Sobre as merdas: tem muita editora (e editora grande) também publicando merda, não tem? E como tem! Então está tudo certo. Acho mesmo que está na hora de uma grande virada no que se refere ao mercado editorial. E com a internet essa virada está cada vez mais factível. Já estava mesmo na hora de assumirmos as rédeas de nossa Arte. Chega de esperar por editoras, de ser maltratado por editoras. O amigo já reparou nos sites das editoras? Como elas tratam os escritores? É só acessar para ler: Envie seu original, mas não fique enchendo o saco. Não ligue, não pergunte, não perturbe, não é de bom tom ficar perguntado sobre seu livro, e blábláblá. Apenas espere. Infinitamente espere. A editora não devolve originais, a editora só aceita originais em CD, a editora só aceita originais encadernados em papel tal, e o cacete. Se a editora quiser seu livro a editora entra em contato. Se a editora não quiser seu livro a editora não entra em contato. Se a editora quiser seu livro a editora apresentará a conta. É sempre assim. O Clube de Autores é uma gráfica: se o autor envia um arquivo capenga para lá, receberá um arquivo capenga impresso, e ponto. Mas repito: tem muita editora (e editora grande) publicando muita coisa capenga, não tem? E como tem! Pra quem realmente é escritor, pra quem realmente sabe “fazer” é uma ótima saída.
NM – Como você consegue conciliar o trabalho de radialista com a paixão pela literatura? Rádio é paixão? Literatura é também trabalho?
CC – Rádio é paixão. Literatura dá trabalho, mas é acima de tudo paixão, ofício. Literatura não é trabalho. O fato nem é “conseguir”, é “ter que”, entende? Sempre digo que sou um homem de palavras: escritas e faladas. Também gosto muito das palavras caladas. Um pouco sobre rádio: o rádio está falido. 95% dos que falam no rádio não sabem falar. É o que eu vejo (tenho 26 anos de rádio). Os “donos” de emissoras contratam pessoal totalmente desqualificado e colocam para (meu deus do céu!) falar no rádio. Pagam pouco mais de nada para uns coitados que assim que começam a falar e (meu deus do céu!) emitir “opinião” através dos microfones das rádios se acham “os caras”. É uma tristeza. O rádio é uma tristeza. Falo com base no Rio Grande do Sul, a minha triste realidade. Liga-se o rádio e ouve-se um festival de “seje”, “pra mim fazer”, “poblema”, “menas”. Assim não dá! Eu acredito em rádio artístico. É o que eu gosto de fazer. Rádio com conteúdo. E não falo aqui de rádio para intelectual ouvir, não. O “intelectual” que se dane! Falo de rádio inteligente. Só isso. Rádio feito por quem sabe falar (isso é o mínimo que se deve esperar de quem fala no rádio). Esse negócio de ligar o rádio pra ouvir música já era! Hoje em dia ouve-se música em qualquer lugar, não se precisa de rádio para ouvir música. O comunicador tem que ser o diferencial no rádio. O comunicador tem que ter algo a mais. O ouvinte tem que ligar o rádio para ouvir o que o comunicador tem para falar. Seja sobre o que for. Mas para isso é preciso saber falar, é preciso ter um bom vocabulário. Mas os radialistas nem sabem o que é livro! O profissional do rádio deveria ser bem pago, pela função que desempenha, pela responsabilidade que tem ou deveria ter. O rádio não forma, o rádio deforma. Eu poderia dizer também que 95% dos que escrevem no jornal não sabem escrever, que 95% dos que fazem TV também não sabem falar, mas não direi. Ponto. Acho que me desviei do assunto... É que rádio me fascina, e me entristece muito também. Dá para conciliar, sim. Só quem não consegue conciliar várias coisas é quem não faz nada.
NM – Fale de suas primeiras leituras. Foram no colégio? Tomou livros por empréstimo? Comprava livros? Quem fazia as indicações?
CC – Como disse antes: comecei a ler tarde. Minhas primeiras leituras verdadeiramente importantes não foram no colégio. Na adolescência eu costumava frequentar bibliotecas. Durante muito tempo fui frequentador de bibliotecas, era assim que eu lia. Tudo sem indicação: ia revirando as prateleiras, sentindo o cheiro dos livros... Mais tarde passei a comprar livros. Comecei comprando os clássicos (acho que todos começam assim), e depois passei a me interessar pelos autores pouco conhecidos. Gosto de vasculhar as prateleiras atrás de escritores não muito conhecidos. Gosto de ler o que poucos leem. Hoje eu mantenho contato com muitos escritores – uns conhecidos, outros não –, e gosto de trocar livros. Também tive minha fase de frequentador de sebos, hoje não mais. Hoje prefiro comprar os livros novos. Confesso que roubei alguns livros em bibliotecas, hehehe.
NM – Como você escreve, como inicia um conto? Sabe desde logo como será o final?
CC – Não sou disciplinado. Até já tentei certa disciplina, mas não consigo. Escrevo quando a “coisa” me vem. Às vezes tenho uma frase que acredito que dê uma narrativa. Às vezes tenho apenas um verso. Geralmente o texto nasce de uma frase. Às vezes um título baila por muito tempo em minha cabeça e só depois nasce o texto. Nem sempre sei como vai acabar um texto. Acho que quase nunca sei. Não tenho pressa. Escrevo, guardo, leio, guardo, releio, guardo, corto, guardo, corto, e guardo. O texto necessita de longa gestação antes do nascimento.
NM – Qual a aceitação de seus livros, pelos leitores? Onde são comercializados?
CC – Tenho meia dúzia de leitores fiéis, hehehe. O meu blog é bem acessado, e grande parte de minha obra pode ser lida gratuitamente na internet, em formato e-book. Não faço questão de vender livros, quero é ser lido. Alguns dos meus livros podem ser encontrados em livrarias (os primeiros), e desde que comecei a imprimir através da gráfica do Clube de Autores eles estão à venda lá no site do Clube. “O aprendiz de poeta” teve ótima aceitação na região de Caxias do Sul. Eu residia em Caxias quando do lançamento do livro (em 2005). Alguns colégios adotaram o livrinho (acho que uns onze colégios). “O aprendiz de poeta” me proporcionou o contato direto com os leitores, com as crianças, e isso foi ótimo. Eu gosto muito desse contato com os leitores, principalmente com os mais jovens. Me identifico muito com a gurizada. Gosto de conversar com os jovens.
NM – Ouço falar da tradição gaúcha no que diz respeito aos livros. É verdade que aí se lê muito e, por isso, há tantos escritores?
CC – Não sei se é bem assim. E ler muito não significa ler bem. Leitores somos todos os que sabemos ler. O importante é ser ledor. Ledor é todo aquele que lê o mundo à sua volta (inclusive nos livros). Nas feiras de livros por aqui o que mais se vende é livro de autoajuda, e (pasme) livro de culinária. Escritores existem em toda parte. Acho que essa história de que o Rio Grande do Sul é altamente politizado, altamente culto não é mais assim (se é que um dia foi assim). Não é o que eu vejo. Não vejo um Rio Grande do Sul leitor, ou ledor. Eu trabalho em meio de comunicação, tenho alguns livros publicados, e nenhum (repito: nenhum) colega meu se interessa em ler meus livros. Não vejo meus colegas (que falam no rádio, que escrevem no jornal) lendo livros. Se não lessem apenas os meus livros seria uma questão de gosto. Como não os vejo lendo nada a questão é outra. O furo é mais embaixo. Suponho, então, que não se lê muito por aqui. Se quem tem o microfone na mão, se quem tem a caneta na mão não lê... Se quem se diz formador de opinião não lê... Talvez eu frequente os lugares errados aqui no Rio Grande, não sei.
NM – Você se frustra (se angustia) com o analfabetismo, o domínio do banal (na música, na TV, no cinema, por exemplo)?
CC – Sou angustiado por natureza. Sou insatisfeito por natureza. Não acredito em artista feliz. E felicidade não dá boa literatura, hehehe. Realmente, e infelizmente, o “fácil” domina. O domínio do banal, como você diz, é uma questão de mercado. A imbecilização dá muito dinheiro, meu amigo. Vivemos tempos imbecilizadores. O amigo já reparou que todos são Doutores e Mestres em alguma coisa? Doutores e Mestres que não conseguem formular corretamente uma frase, que não conseguem escrever corretamente um monossílabo. Tudo é mercado. É preciso ter. Em detrimento de ser. A pessoa não vale pelo que ela é. Vale pelo papel que ela tem, e que diz O QUE ela é, mesmo que ao abrir a boca saia o oposto do que está escrito no tal papel. É a dureza dos tempos. Acho que me desviei um tantinho... Mas, sim, me angustio. Acredito na educação como base da pirâmide. Mas educação de qualidade com professor mal remunerado é difícil. E outra: as “famílias perfeitas” jogam as criancinhas nos colégios e lavam as mãos. O professor que faça o que a “falta de tempo” impede o pai ou a mãe de fazer. Sim, me angustio.
NM – Quando se deu sua estreia em livro? Qual foi? Você o renega (muitos escritores renegam os primeiros livros)?
CC – Meu primeiro livro publicado foi “Um poema para elena”, um livro horrível. Não o renego. Como posso renegar um filho? Renegar um filho por ele ter nascido prematuro? Como disse antes: comecei a ler tarde, e por isso mesmo não deveria ter me atrevido a publicar naquele momento. Meu primeiro livro foi publicado em 1994 (eu tinha 23 anos de idade). Acredito que é ouvindo que se aprende a falar, que é lendo que se aprende a escrever. O livro, além de ter sido mal escrito, também sofreu com a picaretagem da “editora”. Foi um crime o que fizeram com o livrinho. O livro foi mutilado... Resumindo: queimei quase toda a edição de dois mil exemplares. Considero “Um arado rasgando a carne” como minha estréia (em 2005). Não posso deixar de falar sobre uma pessoa que foi muito importante no início da minha vida literária: a poeta gaúcha Cheila Stumpf. Mostrei a ela meu livrinho horrível – ela já Poeta, com “P” maiúsculo. Depois de um tempo recebi uma cartinha da Cheila, onde ela, gentilmente, me dizia que eu tinha o principal a um poeta: a sensibilidade. Ora, ela poderia ter acabado comigo e ter acabado com toda e qualquer intenção minha de ser poeta. Forneci a ela todas as armas para isso. Todas as armas estavam naquele livrinho horrível, e ela encontrou a “sensibilidade” no meio daquela coisa toda. A Cheila já não está mais entre nós, mas não poderia deixar de falar nela. Sou muito grato a ela. Sou grato por seu carinho e por sua paciência. Um homem sem gratidão é um homem sem caráter.
NM – Com todos os problemas de edição, distribuição e leitura (analfabetismo, número mínimo de leitores – a maioria só se interessa por livros de autoajuda, como você diz), você vê na Internet (sítios e blogues de literatura) uma solução? Ou o livro impresso ainda tem papel (sem trocadilho) importante?
CC – A internet tem um papel muito importante, sim. Eu só posso dizer que sou escritor por causa da internet. Se não fosse o uso que faço da internet ninguém (ninguém mesmo) conheceria minha obra. A internet é um primeiro e importante passo. Depois que o leitor conhece o escritor através da internet ele procura pelos livros. Eu me utilizo muito da internet para divulgar minha obra. Não uso a internet apenas para escrever, uso também para falar, para gritar mesmo. Além de publicar textos escritos, uso a internet também para postar narrativas e poemas falados. E para isso conto com parcerias pra lá de importantes. Já gravei alguns trabalhos com Gustavo Bonfá (http://www.myspace.com/gustavobonfa) e agora, mais recentemente, gravei algumas coisinhas com a Ingrid Cariello (http://www.myspace.com/ingridcariello). Meus parceiros são excelentes: eles compõem a trilha sonora e eu deito a falação, hehehe. Tudo isso, esse contato com outros artistas, só se dá por causa da internet. E tem também a Cínthia Casagrande (http://www.cinthiacasagrande.blogspot.com), minha parceira da vida, que é quem cuida com muito carinho e com muita competência de quase tudo pra mim – capas lindas para os livros, fotografias lindas para divulgação, vídeos (outra forma que uso para mostrar minhas coisas). Quanto ao livro impresso: sim, ele continua firme e forte. E assim continuará. Nada substitui o toque, o cheiro, o folhear. A internet facilita a divulgação, e até mesmo a distribuição do livro físico. Mas não há substituição, há adição. É assim que vejo.
NM – Você escreve para ser lido? Alguns escrevem por vaidade e outros motivos menos dignos. Acredita na perenidade de sua obra literária?
CC – Escrevo, em primeiro lugar, para não enlouquecer. Ou para enlouquecer em capítulos, hehehe. Em primeiríssimo lugar está a necessidade. Quando digo que o que quero é ser lido, é no sentido de não me importar com o mercado, com a venda. Se alguém pede um livro meu lá no blog, ou por e-mail, eu mando o livro e pronto. Assim mesmo, de graça. Pediu, levou. Num país de pouquíssimos leitores eu não posso me dar ao luxo de ficar com coisinhas do tipo “se não paga não lê”. Isso não é Arte. Arte é pra ser devorada. O dinheiro, se pintar, é consequência. E nem ligo pra isso. Não vivo de literatura. Vivo por ela. Acredito, sim, que estou fazendo algumas coisinhas boas. Não ligo para tapinhas nas costas, não ligo para rapa-pés. Sei exatamente quem é quem. Sei quais elogios devo ouvir. E acima de tudo sei que o verdadeiro crítico deve ser o próprio criador. Ser crítico fácil. Difícil é ser crítico de si mesmo. E eu sou. Sou meu próprio algoz, hehehe.
NM – Literatura é mais do que entretenimento (do leitor)? Ou é também do escritor?
CC – Acho que para o leitor/ledor sim, é entretenimento também. Digo “também” porque quem lê necessita, eu acho. O ledor precisa, do contrário não leria. Para o escritor acho que a literatura deve ser responsabilidade. E desejo, necessidade, vontade (como na canção).
NM – Há muitos escritores bons que publicaram livros e, depois de mortos, foram esquecidos pelas editoras, pelo poder público e, em consequência, pelos leitores. Outros não aparecem sequer na Internet. Fazemos pesquisa e a resposta é esta: “Não encontramos nenhuma referência a...”. Em outra categoria estão aqueles que só publicaram ou publicam em blogues. Não dispõem de dinheiro para financiar a edição de suas obras ou simplesmente rejeitam a idéia de meter a mão no bolso (a conhecida “edição de autor”). Como você olha para essa realidade?
CC – Eu já cansei de reclamar, entende? Já passei da fase das lamentações. Eu já meti a mão no bolso, sim. Do contrário não teria publicado nenhum livro. Hoje em dia, com a edição sob demanda, está bem mais fácil. É assim que tenho feito (já falamos sobre). Foi bom você ter levantado o assunto: li na internet alguém falando que livro sob demanda não é livro. Porra! Como assim? Livro é só quando o autor paga um monte de dinheiro para alguma editora? É isso? Acho que já falamos sobre isso também... Meu livro é menos livro por ser impresso sob demanda? E essa montanha de estrume que invade as livrarias diariamente? São mais livros por serem editados por uma editora interessada unicamente em faturar? Francamente! Já imprimi livros em casa, e vendi. E se meus livros fossem mimeografados? Quanta gente boa começou assim, meu deus... E se meus livros fossem xerocados? Escritor de verdade não pensa assim. Artista de verdade não pensa assim. Um mictório em exposição é arte. Meu livro, só por não ter selo de nenhuma porra de editora, não é? Por favor... E agora acabo de me lembrar de um editor que me disse que e-book não é livro. Ele queria publicar um livro meu, e eu disse que o livro já tinha uma edição em formato e-book. Ele disse que e-book não é livro, e tentou colocar na minha cabeça que livro só é livro impresso por editora e coisa e tal. Resumindo: não fechamos a publicação do livro, e tempos depois fui ver o site da editora do cara, e vi que ele estava editando e-books. Porra novamente, e novamente porra! Meu e-book não é livro, seu e-book é O LIVRO. Temos que publicar sob demanda, sim. Temos que publicar em formato e-book, sim. É o mais sensato. E se for o caso, que imprimamos nossos livrinhos em casa mesmo. O importante é fazer a roda girar. O que importa é a obra de arte, não o meio que utilizamos para fazê-la andar. Isso é o de menos. Quanto a ser esquecido depois de morto: ora, o escritor é esquecido mesmo em vida. Que diferença faz? O Brasil não respeita seus escritores. Não existe uma política séria que facilite o escoamento de criações literárias. Essas leis de incentivo que existem por aí não servem para nada. Está bem, sejamos benevolentes: não servem para QUASE nada. É uma papelada que se tem que preencher, sem ajuda de nenhum “perito”, diga-se de passagem, que o bom mesmo é desistir. Então, façamos em casa, façamos agora. E pra encerrar, meu caro Nilto: publicar em blogs é ótimo. É a nossa ferramenta. Temos que usá-la. Nós só estamos conversando agora porque você descobriu meu blog, não é mesmo?
NM – Se você quiser dizer mais, fique à vontade, para encerrarmos a entrevista, que se alongou além de minha previsão.
CC – Acho que está bom assim. Não falei demais? Hehehehe.
Fortaleza/Santa Cruz do Sul, 5 de novembro de 2010.
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