"No lado de cima do Equador, o solstício de inverno é o dia com a noite mais longa do ano"
Natal é festa de confraternização cristã. Embora agnóstico, não sou bitolado: valorizo algumas tradições sociais, de modo que, quando convidado para uma ceia natalina, compareço. Da última vez, porém, na casa de um amigo, tive aborrecimentos. Pois, logo que cheguei, um dos presentes – católico praticante e litigante – abordou-me: "Ei você! O que veio comemorar aqui?". Enquanto a empadinha descia arestosa, respostei: "O solstício de inverno do hemisfério norte". O sujeito fez cara de desentendido. Então, expliquei sucintamente.
No lado de cima do Equador, o solstício de inverno é o dia com a noite mais longa do ano. Dá-se em 21 ou 22 de dezembro (25 na Roma antiga, por convenção). Depois desta data, o período noturno encurta-se paulatinamente até 21 de junho. Ora, o pensamento mágico, que vê propósito em tudo, também interpreta tal fenômeno como resultado de ações intencionais: é a luz "vencendo" a escuridão; o Sol "derrotando" a treva. Por isso que esta data era comemorada pelos pagãos – enfatizei "pagãos" arregalando os olhos – que tinham, em seu panteon, uma divindade associada ao Sol. Como, por exemplo, Mitra: o deus persa da luz.
Aliás – continuei –, o mitraísmo, religião mais antiga que o cristianismo, difundiu-se amplamente no exército do império romano tardio. E diga-se, a bem da verdade, que, nessa época, 25 de dezembro era quando se festejava o nascimento do "menino Mitra".
Ao ouvir isso, um senhor idoso, pai do anfitrião, deu uma risada. Empolgado com a aprovação sátira, e turbinado com a primeira dose de uísque, falei de outra semelhança entre Mitra e Cristo: ambos, antes de ascenderem ao Céu com corpo e alma, cearam pão e vinho com seus seguidores próximos.
"Quer dizer" – perguntou-me o velho, tentando incendiar o circo – "que o catolicismo é um sincretismo?". Concordei, lembrando que outras seitas populares na Roma dos césares também contribuíram para sua formação. Caso do culto a Ísis (essa divindade egípcia, esposa de Osíris e mãe de Hórus, assim como a Virgem Maria era chamada de "Mãe de Deus").
Sobre o natal do cristianismo – prossegui –, somente no século IV o Estado romano o pôs no lugar do festival mitraico, ocasião em que houve, por parte de muitos cristãos – que só celebravam o martírio, ressurreição e assunção de Jesus –, resistência a essa intromissão pagã. (Quando os padres de Roma, sob pressão do Imperador, consagraram o dia do solstício como data de nascimento do Filho do Homem, o clero armênio esconjurou-os como idólatras. Demais, até hoje existem seitas cristãs – Testemunhas de Jeová e Adventistas – que não consideram esta data.)
Observando as maneiras ébrias do ex-litigante – e a cara de bacante de uma mulher –, lembrei-me de que, na antiga Grécia, as orgias dedicadas a Dionísio (a comunhão extática com esta divindade era estabelecida por meio da intoxicação etílica) também se realizavam por volta do solstício de inverno. Ia lhe perguntar se era a Baco que ele estava louvando, porém me detive: dei-me conta de ter já exagerado na vingança.
Em vez disso, para contemporizar, ergui meu copo e discursei: "Mas o que importa é o sentido do mito: a esperança de mais luz, de um meio-dia sem sombras e" – arrastando a fogueira para a minha batata – "da vitória final do iluminismo." Todos sorriram e, para não estragar ainda mais a noite, concordaram.
Fomos, enfim, chamados para a mesa: peru, pernil de porco, saladas finas, panettone, figos, ambrosia e outros acepipes.
Quando estava me servindo, o velho, após outra risadinha, altissonou a voz: "De acordo com o calendário juliano outrora usado em Woolsthorpe, na Inglaterra, a data de aniversário de Isaac Newton é 25 de dezembro." – E arrematou: "Então, feliz Newtal a todos!". Brindamos, e com olhar de pueril leveza, confidenciou-me: "Sou ateu!".
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