Tenho meus caprichos. E sapato é um deles. Não passo por uma vitrine de sapatos sem parar e olhá-los longamente. Gosto de examinar os designs, as texturas, as cores, os saltos. Dificilmente encontro um par que me atenda a todos os requisitos. Se tem um belo modelo, o salto é alto. Se o salto é de altura aceitável – nem alto nem rasteiro – o modelo não me agrada. Se o modelo me agrada e o salto é adequado, ainda tem que passar pelo teste do conforto. Sapato que machuca em algum canto do pé não vale a pena. Finalmente ele precisa caber no bolso: se for muito caro, está fora de cogitação.
O fato é que cobiço muitos sapatos por aí, mas levo poucos para casa. Para os padrões femininos em minha condição, creio que sou das mais modestas em termos de quantidade de pares de sapato. Possuo poucos mas bons e belos pares – pelo menos, assim considero.
Todavia, mesmo tendo atendido a todos os requisitos ao ponto de ocupar uma vaga em minha sapateira, acontece de algum exemplar apresentar incômodo não percebido no ato da compra. Tenho, por exemplo, um gracioso par de sapatos em duas tonalidades de couro, aberto na frente e com janelinhas laterais. É, portanto, bonito, macio, fresco, além de bem acolchoado. Quando o calço, a sensação inicial é de conforto. Contudo, ao final do dia, volto para casa com um calo na lateral do pé direito.
Hoje, me arrumei para o trabalho e constatei que aquele dito par de sapatos comporia com minha roupa um conjunto interessante. Como havia semanas que eu não o calçava, resolvi fazê-lo na esperança de que o problema do calo não se repetisse.
Calcei-o e não senti incômodo nenhum; pelo contrário, uma luva. No trajeto entre o estacionamento e meu escritório, todavia, percebi que o danado do sapato estava arranhando o pé direito, prenúncio de um calo. E não havia mais como voltar para casa. Arranjei um band aid que me aliviou um pouco, mas não eliminou de todo o incômodo. Decidi naquele instante que eu não poderia mais ter comigo o tal sapato. Definitivamente iria me desfazer dele. Quem sabe servisse para outros pés que não os meus?
Por instantes, me veio à mente alguns relacionamentos que insistimos em manter, inclusive por meio de artifícios descabidos, que nos arranham e causam calos na alma. Chega um momento em que temos de a eles renunciar a fim de que possamos abrir espaço em nossa vida para companhias favoráveis à nossa vocação de ser feliz.
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