Pesa sobre os cronistas a acusação de só falarem dos próprios umbigos. Considero isto uma injustiça. Todos os estilos literários são umbilicais. Poetas, contistas, romancistas, bons ou maus, todos eles falam disfarçadamente de seus umbigos. Escondem-se atrás de um “eu-lírico”, de um “narrador”, de um “fluxo de consciência” experimentalista, mas, no fundo, suas atenções sempre estão voltadas para aquele botão espetado no meio de suas barrigas. Na crônica isto fica mais à vista por conta da urgência com que ela é escrita. Geralmente da mão pra boca, sem muito tempo para tapeação.
Algumas mentes mais maldosas já devem estar desconfiando dessa enrolação preambular. É isto mesmo: vou falar mais uma vez do meu umbigo.
Como faço com uma vaga periodicidade, estou dando um tempo pra bebida. É que minha festa de fim-de-ano só acabou no dia três de fevereiro. Meu fígado me deu um ultimato e cá estou eu, há um mês e uma semana sem uma gota de álcool. O que tem desta vez de diferente, é que eu estou gostando da abstinência. Ando morrendo de sono e consigo dormir a qualquer hora do dia. Com isto, a cabeça está mais leve, junto com o corpo que já enxugou uns dois quilos.
Tenho sonhado muito e me lembrado dos meus sonhos. Eles estão me levando para lugares íntimos, que reconheço como meus, mesmo que nunca antes tenha estado lá. Geralmente visito alguma ruína recoberta de mato e arbustos. São lugares antigos, de uma antiguidade irrecuperável que o tempo se ocupa em ocultar. E esta antiguidade atravessa o umbral do meu sonho e acorda comigo. É isto, enfim, o que quero dizer. O sono me faz antigar. Não é mais velho que acordo, pois velho já estou. Cada vez que acordo, acordo mais antigo. E estou gostando muito de contemplar este umbigo crônico e antigo.
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