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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Equilíbrio (Assis Coelho)



Soltou uma das muletas e a deixou obliquamente encostada. O equilíbrio, ou a falta desse, o perseguia. Quando este lhe fugia, os hematomas surgiam com vários formatos e cores. Há poucos dias, ao atravessar a pista da Praça do Relógio, um bêbado motorizado, no afã de chegar o mais rápido possível ao próximo bar, o atropelou. Na semana passada, pensando ter o equilíbrio de outrora, tentou pular o meio-fio rapidamente, não conseguiu. Antes de cair, ainda viu as muletas no ar e, antes do desmaio, ouviu o som estridente do carro em debandada. Agora, as pernas, cheias de metais e feridas, eram o seu ganha-pão. Aquela gosma e o inchaço lhe proporcionavam muitas moedas, principalmente aos domingos, nos degraus das igrejas, quando os fiéis se sentiam quase santos. Poucos lhe negavam a ajuda para a cachaça. Estava ali, se esforçando novamente para não cair e, ao mesmo tempo, levar a garrafa à boca. Como sempre, o equilíbrio lhe era fundamental. Não podia mais cair, pelo menos por enquanto. Já estava sujo demais e o fedor afastava alguns menos piedosos. Sua roupa continha um pouco de tudo: lama, graxa, óleo, restos de comida impregnada com fiapos de grama e outras pastas indecifráveis. Depois de um rápido e doloroso movimento, conseguiu o gole tão desejado. Tentou outro, mas previu que seria mais um desastre. Exercitanto, mais uma vez, o maldito e insubmisso equilíbrio, agora mais imperioso, conseguiu pegar a outra muleta. Com elas tinha a vã impressão de que não cairia. Por mais indesejáveis que fossem, elas o mantinham, de certo modo, firme. Impulsionavam-no para frente, com pequenos ensaios de voo, dando-lhe a ilusão do equilíbrio e certa superioridade em relação àqueles que tombavam. Seguia em frente, pensando na iminente parada para o próximo gole. O equilíbrio, mais do que nunca, era fundamental para seguir sua rota para um lugar definido, somente quando parasse sem forças para o corpo enfim equilibrar-se.
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