(W. J. Solha)
O mais comum é que os escritores comecem fazendo poesia, depois migrem para a prosa. Exemplos são muitos. De Machado de Assis a Julio Cortázar. Edgar Allan Poe, só após publicar dois livros de poemas, aventurou-se, meio que por necessidade, na ficção, escrevendo A Narrativa de Arthur Gordon Pym. O mesmo motivo para migrar para a prosa teve o festejado chileno Roberto Bolaño, inicialmente, um poeta errático.
Navegando em águas contrárias, W.J Solha, após começar pelo mais aceitável gênero literário (editorialmente falando), o romance - sendo inclusive premiado neste gênero -, ultimamente o paulista radicado há décadas na Paraíba vem se dedicando à musa. Semana passada, começou a distribuir, para amigos e outros escritores, o seu segundo livro, um longo poema chamado O Marco do Mundo (Ideia, 102 páginas).
Avesso à noite de autógrafos, Solha, seis meses atrás, lançou o romance Arkáditch enviando gratuitamente pelos Correios exemplares de sua obra aos interessados que lhe enviaram uma mensagem pelo e-mail. E informa que fará o mesmo. “Já despachei 300 exemplares do poema longo através dos Correios - aqui para a Paraíba, para o resto do Brasil e algumas pessoas do exterior - e tenho mais 200 para quem quiser recebê-los. Basta que mandem nome e endereço postal para wjsolha@superig.com.br”.
Tanto em Trigal com Corvos, de 2004, sua estreia na poesia, como agora em Marco do Mundo, Solha optou por um longo poema. A diferença é que neste novo trabalho há um trabalho muito intenso com o ritmo e com a rima. É o que se vê neste fragmento: “(...) Mas sua exigência/ primeira/ é a de que todo verso tenha igual importância e, por igual,/ se eternize:/ nada de corte de quilha n’água,/ que na hora se cicatrize”.
Comentando as duas obras, Solha explica que “no Trigal com Corvos, me servi de uma diagramação que distribuía os versos pelas páginas, abolindo vírgulas. E o tema era mais pesado, algo como uma busca de respostas pra meu próprio anseio de escrita e de superação da angústia causada pela insatisfação permanente do resultado. O Marco do Mundo dispensou isso. Partiu para o lúdico”.
Na abertura do livro, Solha faz referência, em forma de citação, a dois cordelistas, João Martins de Athayde e Leandro Gomes de Barros. Ambos aventuraram-se na feitura de marcos, espécie de gênero da literatura de cordel. “Embarquei no ritmo intenso dos cordelistas, soltando a imaginação em busca só de beleza do inusitado, na linha do Zé Limeira (de quem peguei o jeitão maluco, mas sem citação nenhuma), como quando digo que, de um contêiner trazido por guindaste à torre, desembesta pra dentro dela uma manada de baios sob uma nuvem que a bombardeia de raios, enquanto de contêiner vem a Quinta Avenida de Nova York inteira, arranha-céus, trânsito e tudo, com mulheres fellinianas invadindo as lojas de griffes famosas”.
Sobre o seu método de composição, Solha conta que é um escritor à moda antiga. “Primeiro escrevo com lápis e papel algumas centenas de versos soltos, sem propósito definido, aí transfiro-os para o computador e começo a selecioná-los e montá-los”. Especificamente sobre Marco do Mundo, Solha informa que “primeiro pensei numa Torre de Babel contemporânea, construída não de pedras, aço nem concreto, mas de eventos determinantes da História - como o Dia D, que é trazido ao prédio com seus milhares de belonaves e outros milhares de aviões que cruzam o Canal da Mancha pra compor apenas um andar do edifício - ou vêm sequências de filmes, como acontecimentos, feito aquela em que Scarlett O´Hara vai ao posto médico da revolução e dá com milhares de feridos e mortos espalhados pelo pátio”.
Mas não só as grandes referências inspiram Solha. As “coisas miúdas” também o motivaram: “Como o que Fernando Pessoa sente ao ver a fantástica elaboria em pedra que há no portal do Mosteiro dos Jerónimos, que me deslumbrou em Lisboa, quando lá estive em 2008. Já estava com meio livro esboçado, quando me veio a sensação de que já vira algo semelhante em algum lugar. Coincidiu então, que ao trocar alguns e-mails com o Jerdivan Nóbrega, uma de minhas velhas e ilustres amizades de Pombal, ele me falou dos marcos e me voltei, impactado, para a estante atrás de mim”.
A ideia de fazer um “marco” começou a se esboçar, a partir destas lembranças. “Eu lera, havia anos, Marcos
- um livro editado em Campina Grande, pela UFPB e URNE -, de uma série sobre marcos e vantagens, organizada por A. Almeida e José Alves Sobrinho. Foi quando aderi de vez - agora conscientemente - à loucura que era aquela proposta”.
Mas não foi nada fácil colocar no papel o que já fervilhava na mente. “Passei quase quatro anos na luta pra compor e dar fluência a essas milhares de visões, interrompidos por breves incursões noutras áreas - como a do libreto da ópera e de um período louco de minha vida que foi, depois de tantos anos ausente do cinema, ser chamado para testes no Recife, onde participei do longa O Som ao Redor, de Kléber Mendonça Filho, seguido do terceiro longa de Marcelo Gomes, Era uma vez Verônica, além de uma pequena participação numa aventura ainda não concluida do Carlos Dowling, terminando com um belo curta do Laércio Ferreira, rodado no sítio Acauã”.
Como artista que não dá tréguas a si mesmo, para concluir o seu projeto literário Solha não poupou esforços. “No mais, trabalho intenso de cerca de dez horas por dia, sem direito a sábados, domingos nem feriados, até que fiz uma última leitura em voz alta do Marco sem lhe fazer qualquer alteração e o dei por encerrado”. Porém, há que se dizer, Solha não só deu por finito o seu trabalho. No último verso do grande poema, o autor declara: “Aí/ o Poeta,/ dando por encerrada a obra/ dela se arreda/ e se queda,/ contra todas as normas,/ em absoluta adoração/ da Forma!”.
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