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quinta-feira, 26 de julho de 2012

A síndrome de Bartleby (Franklin Jorge)



Enrique Vila-Matas escreve em “Bartleby e Companhia” sobre autores que, por algum motivo qualquer – absurdo, plausível ou inexplicável –, pararam de escrever de repente, em alguns casos depois de um grande êxito literário. A isto ele chamou de a “Síndrome de Bartleby”, numa alusão à célebre personagem de Herman Melville, o escrivão Bartleby, que deixa de produzir, quedando-se em seu emprego numa atitude contemplativa e respondendo invariavelmente com uma frase misteriosa àqueles que lhe mandam executar uma tarefa – Preferiria não o fazer.

Tal síndrome, a princípio estranha, parece se disseminar cada vez mais entre os escritores de reconhecido talento, que, condenados como os demais seres humanos a viver em um mundo que ignora o mérito e se compraz em substituir o autêntico pelo falso, o objeto original por sua cópia, conscientizam-se de alguma forma da inutilidade do esforço que lhes exige a criação de uma obra que jamais será lida, mesmo quando comentada por especialistas. Portanto, seria preferível não fazê-la, pelo menos – valha-nos a justificativa! – para economizar trabalho, decepção e aborrecimento.

Além disso, ao escrever o seu “Bartleby...”, Vila-Matas inaugura um novo gênero literário que os bibliotecários catalogam, sem nenhuma base real para isso, de romance. Como disse do conto Mário de Andrade, romance passa a ser tudo o que, como resultado do comodismo ou da fadiga dos especialistas, chamamos de romance. Mas, no caso específico do intrigante autor catalão de que me ocupo aqui, duma espécie de romance que hostiliza o relato linear e desconsidera as regras clássicas de tempo e espaço.

Distinguido em 2001 com o Prêmio Cidade de Barcelona e no ano seguinte com o prêmio francês de Melhor Livro Estrangeiro, “Bartleby...” é um livro eivado de niilismo, cuja leitura certamente despertaria o interesse de Albert Camus, especialmente do Camus que decodificou em um dos títulos mais importantes e consistentes de sua obra, o absurdo e a revolta, ambos característicos da condição existencial do homem, fadado não ao êxito, mas ao fracasso.

Há, porém, na obra de Vila-Matas, um toque de humor; amargo e sofisticado, mas humor que faz dele uma das maiores consciências literárias do nosso tempo – esse tempo desfeito em fragmentos, assim como o seu próprio romance, constituído de anotações que prefiguram o caderno de notas de um artista interessado nos diversos usos da palavra e no empenho com que nos fatigamos para chegarmos à parte alguma, ou seja, ao voluptuoso nada que se segue ao suspiro final.

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