“...Onde os fantasmas que calavam /...e as coisas
que as horas gastavam?...”
(Lúcia Fonseca)
Horas gastas é a arte de esquecer, é memória emotiva, aquela que se
preocupa apenas em lembrar o que interessa como o essencial para viver. É
preciso refletir para lembrar, identificar e imaginar. Nada mais apropriado do
que a arte de ler, exercício que estimula a imaginação, sem gastar as horas.
Segundo Orides Fontela, “Memória // A cicatriz, talvez / indelével // o sangue
/ agora / estigma.”
O
grande desafio é permitir-se reconhecer no encontro com o pensamento. Na arte
de pensar, partilhar experiências e escolhas é como ter um dia feliz depois do
outro. Ao concentrar-se, manter a expressão, o sonho e a lembrança no melhor
despertar. A arte de pensar embala o tempo, reproduz a memória e mantém o poder
de encantamento, como em Nilto Maciel, “...Não, talvez não fosse bem assim. De
dia, os olhos viam o mundo / e o mundo existia. De noite, os olhos de dentro
viam o mundo, / porém um outro mundo...”
Passar
as horas, acompanhado da leitura de Carlos Higgie, faz despertar o pensamento
no coração e torna o leitor um interessado nas paisagens da beleza do amor, da
vida e dos valores éticos. Coloca-o em sinergia com a memória. Deixa a
imaginação ir e vir espontaneamente, fazendo com que se entregue de corpo e
alma ao texto, sentindo o prazer tomar conta do tempo, “... Num voo de pássaro
e retornando para o passado, para seu passado próximo, sentia que sempre,
apesar das atitudes, tinha sido igual. Certas características da sua
personalidade a acompanhavam desde os primeiros momentos. Porém, sempre existe
um momento crucial, fatal, um instante marcante em que a verdadeira
personalidade se apossa das versões fáceis e falsas. Quando as máscaras caem e
se fazem pó, aparece a verdadeira...”
Horas
corridas indicam que viver o dia a dia com intensidade significa lembrar cada
minuto como se fosse único, revelando segredos e desenvolvendo o repertório em
detalhes, podendo confiar na memória como despertado senso crítico. Nas palavras de Carlos Higgie, “... Seus
muitos anos, trabalhados, suados, sofridos, não entendem. Algo que não pode ser
explicado, algo absurdo, sem nexo, perturbador cruelmente trágico, algo que ele
não pensou em viver e sofrer. Ele não entende. Ele não sabe. Ele quer respostas
e sequer tem as perguntas.” Isto é, horas gastas representam a arte de
esquecer. Ganhar as horas e não gastar as horas é contar com a capacidade de
lembrar os fatos, datas e valorizar a iniciativa potencial em cada passo e nas
ações das pessoas. Considero as horas gastas como dia especial, importante,
onde vejo a comemoração da passagem do passado com o presente e, ainda, percebo
o quanto ganho em viver, como disse Giuseppe Ungaretti, “Ali chega o poeta / e
depois regressa à luz com seus cantos / e os dispersa...”