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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Horas gastas (Tânia Du Bois)




“...Onde os fantasmas que calavam /...e as coisas que as horas gastavam?...”
                                                                                                 (Lúcia Fonseca)

            Horas gastas é a arte de esquecer, é memória emotiva, aquela que se preocupa apenas em lembrar o que interessa como o essencial para viver. É preciso refletir para lembrar, identificar e imaginar. Nada mais apropriado do que a arte de ler, exercício que estimula a imaginação, sem gastar as horas. Segundo Orides Fontela, “Memória // A cicatriz, talvez / indelével // o sangue / agora / estigma.”
           
            O grande desafio é permitir-se reconhecer no encontro com o pensamento. Na arte de pensar, partilhar experiências e escolhas é como ter um dia feliz depois do outro. Ao concentrar-se, manter a expressão, o sonho e a lembrança no melhor despertar. A arte de pensar embala o tempo, reproduz a memória e mantém o poder de encantamento, como em Nilto Maciel, “...Não, talvez não fosse bem assim. De dia, os olhos viam o mundo / e o mundo existia. De noite, os olhos de dentro viam o mundo, / porém um outro mundo...” 

            Passar as horas, acompanhado da leitura de Carlos Higgie, faz despertar o pensamento no coração e torna o leitor um interessado nas paisagens da beleza do amor, da vida e dos valores éticos. Coloca-o em sinergia com a memória. Deixa a imaginação ir e vir espontaneamente, fazendo com que se entregue de corpo e alma ao texto, sentindo o prazer tomar conta do tempo, “... Num voo de pássaro e retornando para o passado, para seu passado próximo, sentia que sempre, apesar das atitudes, tinha sido igual. Certas características da sua personalidade a acompanhavam desde os primeiros momentos. Porém, sempre existe um momento crucial, fatal, um instante marcante em que a verdadeira personalidade se apossa das versões fáceis e falsas. Quando as máscaras caem e se fazem pó, aparece a verdadeira...”

            Horas corridas indicam que viver o dia a dia com intensidade significa lembrar cada minuto como se fosse único, revelando segredos e desenvolvendo o repertório em detalhes, podendo confiar na memória como despertado senso crítico.  Nas palavras de Carlos Higgie, “... Seus muitos anos, trabalhados, suados, sofridos, não entendem. Algo que não pode ser explicado, algo absurdo, sem nexo, perturbador cruelmente trágico, algo que ele não pensou em viver e sofrer. Ele não entende. Ele não sabe. Ele quer respostas e sequer tem as perguntas.” Isto é, horas gastas representam a arte de esquecer. Ganhar as horas e não gastar as horas é contar com a capacidade de lembrar os fatos, datas e valorizar a iniciativa potencial em cada passo e nas ações das pessoas. Considero as horas gastas como dia especial, importante, onde vejo a comemoração da passagem do passado com o presente e, ainda, percebo o quanto ganho em viver, como disse Giuseppe Ungaretti, “Ali chega o poeta / e depois regressa à luz com seus cantos / e os dispersa...”

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