“... são os sonhos que garantem a paciência
suficiente para aguardarmos a próxima hora...” (Lígia A. Leivas)
O relógio marca a hora certa. Norteia o tempo. Tempo de quem? Há a hora certa?
Jorge Tufic reflete que “A hora. Quem / sabe da hora que / os relógios /
deixam de ver?...” Hora certa, para quê, se o tempo exclui o relógio. O
mais interessante é tratar do tempo como questão singular: sistemas de valores
e modo de vida. Como diz Manoel de Barros, “Não atinei até agora porque é
preciso andar tão depressa. / Até há quem tenha cisma com a lesma porque ela
anda muito depressa. / Eu tenho. / A gente só chega ao fim quando o fim chega!
/ Então prá que atropelar?”
O relógio é o veículo de determinação da vida social, e nada é mais fascinante
do que os cucos, com o passarinho mecânico anunciando a hora certa. Há
hora certa para tomar cafezinho? Há hora certa para amar? Há hora para escutar
os ruídos da rua? Ou escrever e reescrever a história e até tornar verdade a
mentira bem contada?
Mário Chamie, no livro Sábado na Hora da Escuta, traça a perspectiva da
situação, simbólica, sobre mudanças: o impedimento do encontro do homem com sua
imagem e liberdade. Pedro Du Bois, n’A Hora Suspensa, aposta no tempo:
sorte ou azar, suspendendo a hora em que se dá a liberdade.
Sem alterarmos a hora que mostra o limite das emoções e perspectivas. Muitas
vezes nos deixamos aprisionar pelo horário e, quando transgredimos, precisamos
de força para segurar o repuxo, como em Carmen Presotto, “Onze horas, mesa
vazia. Olho e não resisto ao meu papel. Não há caneta...”, em Mário
Faustino, em seu único livro publicado em vida, O Homem e Sua Hora, de
1955, “... como este dia é mais que sexta-feira / É a Hora mais que sexta e
roxa.” E em Luis Fernando Veríssimo, no livro Poesia numa hora dessas ?,
“... Como é que se faz aquele maldito / relógio digital ... / parar de piscar?”
A vida demonstra que na maior parte do tempo os horários são incompatíveis com
o tanto que temos para fazer, resolver, aprender e que, em cada momento, somos
vítimas da nossa própria hora: o tempo nos coloca cara a cara com o relógio.
Júlio Cortazar, no livro de contos, Fora de Hora, descreve de forma
surreal a trajetória do mundo, onde as coisas acontecem ao mesmo tempo. Clarice
Lispector, em seu último romance, A Hora da Estrela, diz para “... Não
esquecer que por enquanto é tempo de morangos.”
Temos em mãos a nossa hora, aquela que acontece com a inspiração, que chega e
define o tema, envolvendo-nos e fazendo-nos sentir realizados, como n’A Hora
da Júlia, por ela retratada aos seis anos, na criação de seu primeiro
poema, “Estrelas, oh, estrelas / Fico tão feliz por vê-las // Estrelas apareçam.
/ Estrelas, oh, estrelas.”
Diante das escolhas, o melhor é continuar no jogo do momento, até porque o
relógio (re)vira a hora, como nas palavras de Izacyl G. Ferreira, “... Aqui
ninguém escolhe / o ângulo do corte, / o ar que falta, o vão / por onde as
águas saltam / no oceano do acaso. // Pode-se apenas apressar a hora.”
O simples ato de pensar estabelece conexão temporal entre o sentimento e a
realização: criemos nossa hora certa.
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