A
leitura de A Fortuna Poética de João
Carlos Taveira (Brasília: Editora André Quicé, 2012), de Alan Viggiano, me
deixou a sensação de que vale a pena escrever. Se apenas um ou outro leitor se
debruçar sobre determinada publicação, mesmo assim o autor poderá sorrir e
dizer: fui lido, compartilhei o meu pensamento, o meu sentimento, a minha
experiência de vida, a minha memória. Se
nenhum crítico aparecer para dizer isto ou aquilo dessa obra, não faz mal. A
crítica é necessária, mas a arte pode prescindir dela. Se nenhum jornalista se
lembrar daquele compêndio, nem mesmo no dia do lançamento, também não faz mal,
pois tudo é transitório. Mas, se o lerem dez, vinte ou cem pessoas, o autor
terá sido ungido pelos deuses. Melhor ainda se essas criaturas forem Anderson
Braga Horta, Antonio Roberval Miketen, Antonio Carlos Osorio, Antonio Olinto,
Ático Vilas-Boas da Mota, Cassiano Nunes, Esmerino Magalhães Júnior, Gerson
Valle, Heitor Martins, Henriques do Cerro Azul, Hilda Mendonça, Jarbas Júnior,
José Geraldo Pires de Mello, José Jeronymo Rivera, Jota Marinho, Leda Maria
Vilaça, Margarida Patriota, Napoleão Valadares, Omar Brasil, Ronald Figueiredo,
Ronaldo Cagiano, Ronaldo Costa Fernandes, Salomão Sousa, Wilson Pereira e
tantos outros cujos nomes não se faz necessário mencionar agora. E foi isso o
que aconteceu com João Carlos Taveira. Não só isso, pois tais seres especiais
(que germinam poesia ou prosa literária) elaboraram artigos e estudos da maior
importância (e que estão reunidos no volume aqui resenhado).
Um
deles é Esmerino Magalhães Jr. Digo é, embora tenha partido há alguns anos, pois
tanto é real a sua presença entre nós que no livro de Alan Viggiano a sua
palavra se sobreleva. E ele, sábio que era, poeta que era (ou é?), também sabia
ler a poesia dos contemporâneos. Como se capta neste trecho: “ainda existem
poetas que conhecem a tradição, a gramática dos ritmos, a marcenaria dos
versos, a cunhagem das palavras-moedas, e que respeitam esses valores na medida
em que se transformam em fôrma, que os usam com singularidade e mestria, quando
querem, quando a inspiração lhes dita, desprezando tanto as camisas-de-força
quanto os adereços fáceis dos modismos, buscando no olvido aquelas coisas que
reviverão como novas, porque eternas, e, nunca estacionando com o tempo, jamais
se sentindo realizados, sempre in
progress, absorvendo inevitavelmente o
zeittgeist, mas, enquanto criam suas coleções de palavras de mármore e
música, na angústia das madrugadas, olhando com olhos visionários utopias no
amanhã”.
Outro
leitor fora do comum é o também poeta Salomão Sousa, que se apresenta com um
dos mais agudos e robustos estudos contidos no impresso de Alan Viggiano: “Tive
sempre a poesia como o momento da convulsão, o instante titânico da explosão. O
instante de plena juventude, que procura expelir corpo e mente por todos os
poros. E, no entanto, a poesia de João Carlos Taveira vem me mostrar que não é
nada disso; que a vida é inflamável, mas a criação – lucidez e equilíbrio – não
pode prescindir da consciência”. Noutro parágrafo faz uma revelação: “Taveira
se insere dentro de um novo surrealismo, que não se desvincula da experiência
dos menestréis, dos condoreiros e da veia eterna (a lírica)”. E arremata:
“Taveira não precisa de nenhuma poética, precisa apenas do chamamento que
estiver no instante”.
Também
Antonio Carlos Osorio, outro grande poeta brasileiro aportado à ilha de
Brasília, não se sente receoso de ser preciso (e não precioso) em relação à
poesia de Taveira: “quase cede às vezes à tentação do confessionalismo,
saudosista ou reflexivo, com a força da emoção que sente e quer transmitir. E
de quando em vez se entrega ao puro jogo formal. Mas reage a tempo, e se
revigora de novo nas fontes (narinas ou patas) do ‘fogoso animal’, o ‘cavalo
verde’ do belo poema de Fernando Mendes Vianna”.
Para
encerrar as transcrições, vejamos trecho de artigo escrito por Ronaldo Cagiano:
“Poeta que rejeita as ginásticas formais, sem contudo renegar as conquistas do
modernismo, Taveira é um poeta clássico, que recepciona em sua engenharia
verbal características de vários estilos e tendências”.
A Fortuna Poética de João
Carlos Taveira não é apenas uma colheita de artigos ou estudos
da obra de Taveira. E poderia sê-lo, com méritos. A coleção é muito mais preciosa
do que isso, tanto em informações (para pesquisadores, estudiosos,
dicionaristas, historiadores, etc.), como na reprodução de poemas contidos em
antologias e revistas literárias, assim como traduzidos para idiomas como
espanhol e romeno. Há, ainda, três entrevistas, nas quais o poeta se mostra
como ser humano e como artista. Numa delas, que tive a honra de realizar, é
recente, de 2011, quando já me encontrava em Fortaleza (depois de viver 25 anos
em Brasília, em convivência quase diária com Taveira e outros escritores ditos
brasilienses). À pergunta “Você acredita em amizade?”, ele não titubeia: “Não
só acredito como não sei viver sem meus amigos”. Pois João Carlos Taveira é
poeta de primeira categoria e amigo leal (desculpem a redundância). Que o digam
os muitos críticos de sua obra poética. E que o diga Alan Viggiano, esse outro
fabuloso ente feito de poesia e amizade.
Fortaleza,
1º de novembro de 2012.
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