É
Machado de Assis, há algum tempo, o nome mais estudado (deve ser também o mais
lido) da literatura brasileira. E deverá carregar este epíteto por muitas
décadas ainda. Poderá até ser ultrapassado por Clarice Lispector, Guimarães
Rosa, Jorge Amado, Graciliano Ramos e outros mais antigos ou mais novos, que
isto é de difícil entendimento. E, para dar mais robustez ao instituto dos
estudiosos da joalheria machadiana, chega às livrarias (ou às bibliotecas
públicas e privadas) O Quebra-Nozes de
Machado de Assis: Crítica e Nacionalismo (Fortaleza: Edições UFC, 2012), de
Eduardo Luz. O volume traz palavras de apresentação de Alfredo Bosi (vejam
quanto prestígio o do jovem professor e escritor carioca radicado no Ceará):
“impressionou-me a qualidade da sua escrita, sempre límpida, enxuta e bem
articulada. Além do mérito da correção e propriedade da linguagem, o que salta
à vista é o desafio inerente ao seu projeto intelectual: enfrentar o tema do
nacionalismo mais uma vez explorado pela crítica machadiana”.
Como
está informado no impresso, este compêndio é, “com alguns retoques e
acréscimos, a edição revista do seu trabalho universitário” (tese de
doutorado), defendida em outubro de 2011, perante a Banca Examinadora composta
pelos professores Alfredo Bosi, Marli Teixeira Furtado, João Roberto Faria e
Roberto Acizelo de Sousa, no Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tendo com orientador José Luís Jobim.
O livro
se divide em três partes: “A noz intacta”, “O classicismo moderno” e “A pátria
cultural”. Na longa introdução, Eduardo Luz lamenta o quase silêncio dos
machadianos, durante o ano de 2008 (centenário da morte de Machado), em relação
à crítica exercida pelo Bruxo, “confirmando o descuido com que tem sido tratado
esse campo da obra machadiana por sucessivas gerações de críticos e teóricos”.
Esse quase silêncio foi que levou o pesquisador a mais se interessar pelo envolvimento
do criador de Capitu com o exame do outro. Ou, mais precisamente, pelo
nacionalismo em seus juízos. Para tanto, se debruçou sobre três
“obras-motivadoras”: Machado de Assis,
escritor nacional, de Mário Casassanta (1939); Machado de Assis e a política, de Brito Broca (1957); e Machado de Assis, de Astrogildo Pereira
(1959). A partir delas elaborou a “linha específica” da tese. A chamada “linha
genérica” se baseia em outras três publicações: Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade, de
Eric J. Hobsbawm; Comunidades imaginadas,
de Benedict Anderson; e Os bestializados:
o Rio de Janeiro e a República que não foi, de José Murilo de Carvalho.
A
primeira parte (“A noz intacta”) da pesquisa de Eduardo Luz apresenta Machado
de Assis em sete capítulos ou segmentos. Antes deles, porém, o ensaísta
passeia, em 17 páginas, pelo pensamento crítico do poeta de Ocidentais. A começar pelo ensaio “O
passado, o presente e o futuro da literatura”, no qual se “confirma a adesão do
jovem Machado de Assis à ambiência do nacionalismo romântico”. São páginas (as
do professor) recheadas de citações de Machado, Joaquim Norberto e outros
estudiosos de ontem e de hoje, todas caprichosamente interpretadas.
A parte
“O classicismo moderno” se inicia assim: “Em 1873, publica-se o festejado
‘Notícia da atual literatura brasileira – Instinto de nacionalidade’, de
Machado de Assis. Tomamos esse ensaio como um divisor de águas, a partir do
qual a crítica machadiana superará em definitivo o primeiro nacionalismo,
xenófobo e excludente”. No capítulo inicial, o romancista de Dom Casmurro é examinado em um texto
(redigido em forma epistolar), no qual se vale da morte do poeta Fagundes
Varela para analisar os rumos da literatura brasileira. É nessa parte que
Eduardo Luz menciona os famosos escritos de Machado a respeito de Eça de
Queirós. E assim argumenta: “Eça e Machado tiveram percepções distintas sobre
os poderes do realismo (entenda-se naturalismo) literário. Se o primeiro o
tomava como um projeto ideológico, capaz de regenerar os costumes de uma
burguesia em crise, o segundo o recusaria como teoria e como processo” (...).
Antes
da “conclusão”, o manual de Eduardo Luz se encerra com “A pátria cultural”
(terceira parte), na qual investiga a última fase literária de Machado: a do
abandono da “crítica literária regular” e consequente dedicação aos “seus
grandes romances” (Memórias póstumas de
Brás Cubas aparece nas páginas da Revista
Brasileira, em 1880). O professor carioca-cearense faz uma ‘revelação’
curiosa: “Como gênero, porém, o romance parece não lhe ter sido plenamente
satisfatório para a análise da experiência sociocultural brasileira do período.
Essa hipótese sustenta-se por sua retomada de um gênero menos cifrado, a
crônica, no interior do qual se punha mais à vontade, tanto para interagir com
seu entorno como para pensar os lugares da nacionalidade”.
Na
“conclusão” de O Quebra-Nozes de Machado
de Assis, o ensaísta apresenta trecho da crônica machadiana de onde extraiu
o título do compêndio aqui resenhado: “Foi o que me aconteceu (na juventude).
Trazia comigo na mala e nas algibeiras uma porção dessas ideias definitivas, e
vivi assim, até o dia em que, ou por irreverência do espírito, ou por não ter
mais nada que fazer, peguei de um quebra-nozes e comecei a ver o que havia
dentro delas”.
Na
primeira aba do volume, o professor Roberto Acizelo de Souza sai em defesa de
Eduardo Luz e seu inventário quanto a uma possível acusação de fazer “chover no
molhado”, tendo em vista a “aura de consagração que envolve a figura de Machado
de Assis”. Pois O quebra-nozes de Machado
de Assis “se propôs justamente explorar certa dimensão do universo
machadiano até o momento pouco analisada. Elegeu assim como centro de interesse
a reflexão empreendida pelo autor, no curso de sua extensa obra, sobre três
aspectos da produção cultural do País: o teatro, a literatura e as identidades
coletivas de extração popular”.
O
estudo do professor-doutor Eduardo Luz (também ótimo ficcionista) será de
interesse de machadianos de todo o mundo e também de não-machadianos (desde que
conhecedores de, pelo menos, parte do conjunto literário desse grande filho do
Brasil, criado no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, no século XIX (1839),
filho de operário mulato e açoriana vinda para cá ainda menina, e que se tornou
um dos pilares da inteligência brasileira).
Fortaleza,
6 de dezembro de 2012.
/////