Significado e Mensagem
Sua
primeira realização nesse período, O Leão de Sete Cabeças (Dar Leone à
Sept Têtes, Itália, 1970), elege o continente africano como matéria e forma de
sua inserção no mundo. Não o faz, porém, linear e convencionalmente como é
usual no cinema. Ao invés do espetáculo da exploração de suas riquezas e
domínio de seus povos, Gláuber os estigmatiza na eleição de estereótipos
elaborados a partir da concreta faticidade.
A
realidade africana, nucleada e bipolarizada entre exploração externa e contexto
interno formado pelas condições locais e consequências da atuação predatória
das nações desenvolvidas, é filmicamente constituída por mosaicos fragmentados
unidos pelo fio narrativo que a expõe, compondo condensado painel situacional.
Os
principais lances desse cenário perfazem-se um a um em instantâneos que o vão
engendrando e revelando, desenvolvendo e urdindo, construindo e desconstruindo.
Nada, no entanto, que não se saiba da exploração internacional da região, mas,
no caso, apresentada de maneira contundente e mesmo raivosa.
As
linhas narrativas tecem-se em torno da atuação de pequeno grupo de
representantes e mercenários imperiais e do papel de dois líderes locais.
Se no
cômputo final do filme evidencia-se sua nervura ficcional, o decorrer dos
desdobramentos factuais estabelece-se por meio de blocos que se seguem e se
sobrepõem.
A
articulação entre as partes não se processa linearmente e nem as personagens
intervêm e se relacionam convencionalmente, mas, simbólica e sinteticamente,
traduzindo cada cena corte transversal na realidade, ora concreto, ora alusivo,
sempre, porém, denunciador.
Por
vezes, manifestam-se justificativas e explicações por meio de discursos de
personagens.
Sucedem-se,
assim, diálogos, intervenções pessoais, manifestações diversas, danças,
músicas, passeatas, paradas militares, agressões, reuniões, envolvimento e
cooptação de dirigentes locais deslumbrados por alçados a pretensas altas
funções, torturas, personagens simbólicas como o “profeta”, a loura Marlene e
lideranças africanas autênticas.
O leão
de muitas cabeças é explorado, caçado e submetido, mas, não vencido e anulado.
A sequência final de grupo de guerrilheiros armados internando-se na região ao
som de canção libertária, de vigorosa beleza imagética, é emblemática, além de
óbvia em seu significado e mensagem.
A
maneira elisiva de Gláuber construir cinematograficamente visão do quadro
africano não esconde, ao contrário, explicita sua atormentada insatisfação com
a problemática continental. Se não atinge grau elevado de criatividade, também
não abdica de construção autoral de sua configuração imagética.
Constitui,
a bem dizer, ficção operativa aplicada à conjuntura temporal e espacialmente
vinculada à análise de seus traços e trâmites procedimentais, ocasionadores de
posicionamento subordinativo, adjetivo, objetal e residual no contexto de
ordem/desordem planetária desequilibrada, desigual e injusta.
O
pragmatismo imoral de se aceitar as coisas tais como são e transcorrem é
escarmentado pela própria ocorrência e propósito fílmico, jazendo implícita,
mas, evidente, sua condenação, que não se limita a reconstruir o contexto,
porém, nele intervindo e fatiando-o para melhor atuar em seu interior.
(do
livro Seis Cineastas Brasileiros,
editado pelo Instituto Triangulino de Cultura em
2012-www.institutotriangulino.wordpress.com)
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Guido
Bilharinho é advogado atuante em Uberaba e editor da revista internacional de
poesia Dimensão de 1980 a 2000, sendo ainda
autor de livros de literatura, cinema e história regional e nacional.
(Publicação autorizada pelo
autor)/////