(Escritor João Soares Neto)
Último
dia do ano. Almoço em família. Falávamos um de cada vez, sobre os nossos
defeitos, algumas virtudes e a inquestionável independência que é a
característica de todos. Cada um vive por sua conta e risco, trabalhando duro,
mas agora estávamos rindo e brincando. Descontração total.
O
celular toca. Uma voz anasalada se identifica como Fausto. Não ouço bem. Há
barulho ao redor. Afasto-me da mesa, ouço melhor: Fausto Albuquerque. Ele mesmo
relembra que foi meu professor de Português no Farias Brito e acabara de ler o
meu livro “Microcontos”, que adorou e elogiou pela original forma como foi
tecido, com pouquíssimas palavras em cada conto, que é micro, mas não deixa de
ter a forma e o conteúdo de um longo ou breve conto. Fiquei alegre. Que
presente!
Fausto
Albuquerque mora hoje em Belo Horizonte, sendo membro do Instituto Geográfico
de Minas, do Instituto dos Advogados de Minas, do Instituto Internacional de
Esperanto, da Associação de Escritores Mineiros, da Associação dos Advogados de
Minas, correspondente da Academia da Língua Portuguesa, do Ceará, integrante da
Comissão da Nova Nomenclatura Gramatical Brasileira, Comendador do Instituto
Geográfico de Minas, Consultor Jurídico de revistas Trabalhistas de Minas, fala
e escreve em cinco línguas. Publicou oito livros e aposentou-se como professor
de Alemão da Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN.
Essas
informações sobre ele foram colhidas por mim na web, após o telefonema que me
deixou ledo e vaidoso. Não é todo o dia que se recebe elogio de um filólogo do
quilate de Fausto Albuquerque. A conversa foi amena, mas ele viajaria no dia
seguinte. Uma pena. Como em transe, mergulhei no passado da sala de aula do
Farias Brito original, na Avenida Duque de Caxias. Quadro Verde, um pequeno
patamar elevado com a mesa do professor, cadeiras de braço do lado direito,
enquanto sou canhoto, ouvindo o professor Fausto Albuquerque, no método
peripatético. Ele era contra neologismos e dizia que não se devia usar o
galicismo perdão (pardon), mas o seco
desculpe.
Era
capaz e aparentemente severo, mas fazia-se bem entendido por todos. Relembro da
maioria dos colegas dessa turma, que não era grande: Aytan Miranda Sipahy, hoje
médico e professor da Universidade de São Paulo; Júlio Jorge Albuquerque
Lóssio, odontólogo, professor universitário em SP, e depois aqui na UFC; Raul
Fontenele, empresário gráfico, amigo até o seu falecimento; Feitosa Carvalho,
coronel do Exército, que morreu jovem; Tomás Edson, professor e coronel da
Polícia Militar; Raimundo Braga, auditor fiscal; Francisco Feitosa, empresário;
Manoel Leôncio Carvalho Macieira, clínico geral destacado; Luiz I. Mendes
Parente, procurador de Justiça; Zilberto Farias, engenheiro agrônomo e professor;
Afrânio Cabral, advogado; Pedro Eugênio Simões, empresário e, quando jovem,
excelente goleiro; e Jurandir Mitoso, radialista de verve que até hoje figura
no “cast” das rádios e TV Cidade. Todos eles passaram pelo crivo sério do prof.
Fausto Albuquerque, que já nos recebera bem instruídos por outro rigoroso
mestre de português, Sildácio Matos.
Um dia,
sem mais, nem menos, em plena sala de aula, avisa que ia nos deixar por ter
sido aprovado para professor do Colégio Militar de Belo Horizonte e lá, como se
vê, construiu, ao longo de décadas, a sua história acadêmica e literária.
Depois, segue para a AMAN. Aposenta-se e volta para BH.
Este
relato é um tributo aos meus colegas de então e a ele. Não decorre da sua
apreciação positiva acerca de um dos meus livros, mas por dever de justiça a um
cearense que nos soube transmitir conhecimentos fundamentais dessa não tão
fácil língua camoniana/machadiana. Ele conseguiu se destacar em meio à
tradicional desconfiança dos mineiros, especialmente dos ciosos e fechados
intelectuais de lá. Que bom ouvi-lo. Vida longa.
(Publicado
no jornal O Estado, CE, 4.1.2013)