Para José Nicodemos de Souza
A
tarde se abraçava com uma tristeza inconsútil. Daquelas que se achegam como
quem não quer nada e vão, insidiosas e trigueiras, jogando seu manto
melancólico sobre o nosso colo, tornando-nos sensaborões silentes, casmurros
como quê.
Assim
eu me encontrava, caro leitor, domingo último. Espezinhado por aquele fim de
semana, resolvi sair. Pus um bermudão florido, camisa de meia com mensagem
ecológica, chinelos surrados, e fui à rua. “Quem sabe não me dou de cara com a
Ventura!” — pensei. Melhor, desejei.
As
ruas do Centro, vazias e tristonhas, adelgaçaram o meu restinho de esperança.
Antes que a depressão tomasse-me como morada, talvez definitivamente alojada
dentro de mim, de mala e cuia, voltei para casa.
Chegando,
cuidei de tomar um banho frio. “Refresca-se o corpo, alegra-se o espírito!” —
professei, cá dentro de mim. Que nada!, a água da caixa estava, tal qual um
caldo recém-cozido, quente como nunca.
Suado,
abanando-me em desespero, corri para o jardim, em busca de um refrigério de
brisa.
Tudo
parado, a ramaria, esquálida e cabisbaixa, nem se balançava. “Por onde andará o
inverno, meu Deus?!...” — indaguei aos céus. Os céus nada me disseram.
Como
a sala estava ainda mais insuportável, armei uma rede na varanda. “Optando-se
pela sauna do purgatório, evita-se o fogo do inferno!”
Quis,
então, refrescar o espírito com algumas páginas de Esaú e Jacó, de Machado de Assis. Em vão; não o conseguia. O calor
espantava-me a concentração e derretia a fina ironia do Bruxo do Cosme Velho.
Vi-me
em quase estado de desespero; pois, triste e suado, não sabia a quem mais
recorrer. Eis que, um breve chilreio e um leve bater de asas chamaram-me a
atenção: um beija-flor.
Asas
multicoloridas, flanou diante dos meus olhos sem brilho. Notei que,
acrobaticamente, o pequeno pássaro gerava o seu próprio círculo de brisa. Tomou
chegada ao meu pé de pião, afastou-se com um voo rasante — ali não havia
flores. Imóvel no ar, em pose de acrobata, pôs o bico por entre o vaso de samambaia,
para logo se afastar: não encontrara nenhum vestígio de pétalas. Achegou-se,
então, à ala das palmeiras; espetou o curioso biquinho por entre as folhas,
saiu decepcionado. Rumou, depressa e em manobra digna de aplausos, para o outro
canteiro, mais ao fundo do jardim. Segui-lhe os passos. Perdão: o voo.
Parou
no ar e espiou todos os jarros daquela área. Em seguida, ao manobrar, no alto,
por sobre as plantas derradeiras, senti que percebera novidades. Deu-se uma
descida abrupta e elegante: era um vaso de flores.
Quando
se viu de frente às rosas, o recuo. Eram artificiais! “Nunca murcharão! Além de
não necessitarem de cuidados, não é demais?!” As palavras do pretenso
jardineiro inundaram-me a mente. Presentes, tais quais como se hoje.
O
beija-flor, frustradíssimo, aproximou-se de mim. Como a espantar o meu calor,
fez a última manobra, digna de ventilador, e... se foi. Não sem antes
encarar-me, com jeitinho de poucos amigos, como a ralhar comigo.
—
Um jardim apenas com flores de plástico?!...
Perdão,
meu beija-flor! Perdão!...
Clauder Arcanjo — Escritor
clauderarcanjo@gmail.com
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