(Escritora Patrícia Tenório)
Não sou comprador de opúsculos nem de compêndios e raramente piso o chão
de livrarias. Entretanto, recebo em casa toda sorte de publicação: das mais
vistosas às mais andrajosas; das mais raquíticas às mais corpulentas; desde títulos
triviais até os mais sofisticados; de norte a sul, de leste a oeste; de
principiantes e calejados.
No início de janeiro de 2013, Patrícia Tenório me mandou, do Recife,
seus sete impressos: O major: eterno é o espírito (Recife,
2005); As joaninhas não mentem (Rio de Janeiro, 2006); Grãos (Rio
de Janeiro, 2007); A mulher pela metade (Rio de Janeiro,
2009); Diálogos (Rio de Janeiro, 2010); D’Agostinho (Rio
de Janeiro, 2010); e Como se Ícaro falasse (Mossoró, 2012).
Todos lindíssimos! Se eu fosse comprador de alfarrábios ou assíduo frequentador
de livrarias, certamente teria sido fisgado pelas capas. E também pelos
títulos. Todos muito atraentes.
O primeiro — O major: eterno é o espírito — é
classificado como romance, na quarta capa. Raimundo Carrero, nas abas, se
refere aos termos (e conceitos de) “biografia”, “biografia romanceada”,
“História e história”. Na verdade, Patrícia escreveu (romanceou) os feitos, as
atividades, a conduta de José Tenório, o Major, seu avô. Relato de boa
espessura, ilustrado com fotografias, e de alto valor histórico, sociológico e
literário.
Com As joaninhas não mentem, ingressa, de vez, no território da invenção literária. Menos volumoso do que o primeiro, tem prefácio do poeta Majela Colares. Em nenhum momento, menciona os termos romance, novela e conto. Ao final, propõe: “Digamos: uma fábula para o século XXI”. Antes observara: “Segura no manejo da palavra, Patrícia Tenório desenvolve toda sua narrativa de maneira clara e eficiente, pincelando o texto com imagens de visível teor poético” (...). Na orelha de Grãos, no entanto, há esta anotação: “Em 2006, publicou o romance As joaninhas não mentem”. Seja isto ou aquilo, lembra conto de fadas, romance medieval, novela de cavalaria, como se pode verificar nas frases iniciais: “A Torre... Para lá se dirigia Ariana. Colocou o elmo na cabeça, apertado era o elmo. Jeito de camponesa permitindo dores, respirou fundo, conseguiu encaixar sobre os cabelos longos, cor de sol, peleterra”. As sete ilustrações (uma para cada capítulo) têm traços simples, a lembrar antigas coleções para criança.
Com As joaninhas não mentem, ingressa, de vez, no território da invenção literária. Menos volumoso do que o primeiro, tem prefácio do poeta Majela Colares. Em nenhum momento, menciona os termos romance, novela e conto. Ao final, propõe: “Digamos: uma fábula para o século XXI”. Antes observara: “Segura no manejo da palavra, Patrícia Tenório desenvolve toda sua narrativa de maneira clara e eficiente, pincelando o texto com imagens de visível teor poético” (...). Na orelha de Grãos, no entanto, há esta anotação: “Em 2006, publicou o romance As joaninhas não mentem”. Seja isto ou aquilo, lembra conto de fadas, romance medieval, novela de cavalaria, como se pode verificar nas frases iniciais: “A Torre... Para lá se dirigia Ariana. Colocou o elmo na cabeça, apertado era o elmo. Jeito de camponesa permitindo dores, respirou fundo, conseguiu encaixar sobre os cabelos longos, cor de sol, peleterra”. As sete ilustrações (uma para cada capítulo) têm traços simples, a lembrar antigas coleções para criança.
De redução em redução, chega, com Grãos, ao
livro de bolso (12 x 18), ao “pocket book”. E neles (nos grãos) se
percebe, de forma clara, a ponderação de Majela Colares no tomo anterior: “um
visível teor poético”. Pois nesta antologia há um tanto de prosa e um tanto de
poesia. A própria bibliotecária nos deixou a dúvida: “1. Poesia brasileira. 2.
Conto brasileiro. 3. Crônica brasileira.” Mas, isto não tem importância. A
narradora de “Intervalo” se volta para si mesma e para o ambiente em que se
encontra, lembra-se de Marcelo (Quem será? Namorado? Marido? Amigo?),
enfurna-se de novo no seu interior, sem fugir do tempo da narração (“Procurei na
bolsa minha caderneta”...). É tudo muito suave, sem atropelos, sem alardes, em
linguagem sóbria, poética, cadenciada. Quase uma canção lírica.
A mulher pela metade tem capa transparente (plástico) e é
mais largo (18 centímetros) do que os outros. Por isso, a mancha é dividida em
duas colunas, como nas revistas. Outra novidade (?) — nem sei mais o que seja
novidade — está no uso de “dois pontos” (:) no início da frase ou do
palimpsesto. Assim: “: há palavras que revelam o melhor que possuímos; outras,
o pior”. Não há novidade, porém, na técnica da redação de Patrícia, nesta
composição. Há de tudo um pouco: narração linear na primeira pessoa,
confessionalismo, intertextualidade, diálogo com travessão, descrição,
retrocesso, enredo, linguagem coloquial e literária, etc. Se se trata de
romance, não sei. Há muitos anos a catalogação tem interesse apenas comercial
(das editoras, das bibliotecárias, das livrarias, dos jornais, etc). Os
escritores (sobretudo os mais criativos ou livres das peias criadas por
professores de literatura e redatores de manuais) não se importam mais com
isso.
Dentro de uma caixinha vieram duas coletâneas: Diálogos e D’Agostinho.
Ambas com capa dura e, no tamanho, semelhantes a livros de bolso. Uma de capa
azul; outra, amarela. A primeira é composta de contos. Uns bem curtinhos, de
poucas linhas. Como “O domador de bolas de sabão”. Muito engraçado e criativo.
Surgido (depreende-se pela explicação dada pela autora ao pé da página) de
inopino, como por inspiração. Transcrevo o primeiro parágrafo: “Tu me plocs me
pla, eu me plocs me plon. E ploc lá, ploc qui, não ploca plocon. No placa plo,
no placa pli, plaquê, plaqui, não plaploquê”. São quase sempre cenas do
cotidiano citadino.
A segunda contém poemas. Versos livres, curtos e poucos, em métricas
variadas. A maioria das peças não vai além de uma página (cerca de vinte
linhas). O mais espichado (“Bairro das laranjeiras”) cabe em menos de duas
páginas. A linguagem de todos eles é singela, sem rebuscamentos: “Plasmo / o
ser humano que pretendo ser / ligo as conexões / com sangue divino e matéria
bruta / na esperança / de encharcar em mim / a sabedoria celestial”.
O título do volume (e também de um poema) é referência a Santo
Agostinho, de quem extraiu trecho de suas “confissões” para a epígrafe da
seleta. Ao longo da obra, a poetisa demonstra todo seu catolicismo: “Quando tua
luz aplaca meus sentidos / sinto despir-me / de máscaras e vaidades” (“São
Paulo”); “Só me encho de graça / por tua misericórdia / e deito em mim / tua
realeza” (“Cristo-Rei”); “Busco a palavra sagrada / que entrevejo em lance / e
não serei eu que em mim habita” (“Em parte”).
Como se Ícaro falasse é outro objeto de fino lavor
gráfico, capa dura e colorida. Nele a ficção de Patrícia se purifica mais e
mais. Como Ícaro, a lenda grega (“naquele tempo eu costumava planar sem
destino”, sobre o mar Egeu), ela (a narradora), ou ele (o narrador), voa,
liberta/liberto, em prosa lisa, a narração fluente, com falas breves. Em viagem
pelos ares (sete dias de voo): “Eu, meu
pai e os prisioneiros partimos na direção de Creta”. Em breves capítulos (todos
com títulos: frases ou orações completas), a ficcionista tece, pouco a pouco, a
lenda. Retece, reconta, recria. Como a lenda original, é também uma metáfora:
“Podem vocês soltar as amarras que os prendem ao mundo das palavras e atingir o
pensamento puro?” (p. 115).
Se eu fosse crítico ou mesmo leitor mais astuto, rabiscaria mais uma
centena de frases a respeito dos sete papiros de Patrícia Tenório. Faria largos
e profundos comentários de sua fantasia. Entretanto, a indolência congênita me
chama a dormir, enquanto a incompetência estilhaça o raciocínio.
Fortaleza, 24/26 de fevereiro de 2013.
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