Nunca fui
ao proctologista. Só esse nome me dava arrepios. Na sala de espera, parecia que
todos olhavam para mim, acusativos. A culpa é toda sua. E a presença de minha
filha piorava a vergonha. Mas o jeito era prever o pior. O teste do PSA
tremulava nas mãos nervosas.
Há dias
estava com dificuldade para urinar. Quando saiu sangue do dito cujo é que
procurei um médico. Dizem que isso é coisa de homem. Você se diz machão, mas se
arreganha todo quando entra num hospital.
A doutora
era bonitona. Cabelo escuro e mechas claras nas pontas. Alta. Cheirosa. Boca
carnuda e sorridente. Ainda bem que os dedos são finos, pensei.
O senhor
poderia abaixar a calça e ficar ao lado da maca?
Gelei.
Mas, antes, pedi que minha filha esperasse fora da sala. Os músculos tensos.
Quando
percebi, a médica já estava pedindo que eu me vestisse. Foi só isso? Tanto
alvoroço por nada? Fiquei com uma sensação esquisita na área por alguns
minutos. Mas nada que justificasse o pavor que tinha.
O exame
de sangue sugeriu o câncer. O exame de toque mostrou que já estava bastante
avançado.
Eu tinha
uma pedra enorme no reto. Uma couve flor endurecida. Estranho, pois eu não
sinto nada disso. Mas vou começar a sentir.
Daqui a
uns meses, começarei a urinar por um caninho. Ele fará parte de mim. Vou poder
até escolher apelidos carinhosos. Tubinho. Canudo de ouro. Juca. Tibério.
Chupim.
Não vai
chegar a tanto. Já montei todo o aparato, minha ex-mulher sabe. E diz que não
vai se meter. Só não contei pra filha porque ela é teimosa e não entenderia.
Não quero
andar por aí todo mijado. Brocha. Fraco. Humilhado. Isso não é vida. E ela foi
boa até agora, então não tem porque esperar seu azedamento. E vai azedar. Além
disso, o câncer talvez apareça em outro lugar. E eu descobri que isso é muito
comum.
Não vai
ter jeito, não. O negócio é dar cabo de mim.
Câncer
tem cura. Mas leva junto o resto daquilo que sobra da vida. Melhor não deixar
que tudo piore. Não quero ver meu corpo desaguar. Vou me despedir de todos.
Passear bastante com a filha. Pagar as contas atrasadas. Resolver a vida e
esperar que a morte seja mais tranquila assim.
Num
bilhete vou pedir que me desculpem pelo sofrimento e pela saudade, mas que
precisava fazer jus ao meu nome.
*Homero Gomes - Autor dos ainda inéditos
Sísifo Desatento (contos), Tempo do Corpo (romance) e Jamé Vu (que está sendo
publicado na internet). Colaborou com Rascunho, Cult, Germina Literatura,
Ficções e TriploV. Editor do blogue coletivo www.jamevu.tumblr.com.
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