Pedaços de tripas (Homero Gomes)
Livros se vendem muito no Brasil. Os números abaixo não dizem outra coisa. No final da década passada, a Editora Sextante vendia, em média, 60.000 exemplares por título e, em sua trajetória, já vendeu mais de 30 milhões (2 milhões e 500 mil livros por ano, em média). Em 2009, por exemplo, esse número foi parar em mais de 7 milhões. Ela e sua coligada intrínseca venderam juntas mais de 10 milhões de exemplares de Crepúsculo e A Cabana. Em 2012, Ágape, do Pe. Marcelo Rossi, repetiu o prodígio. O que se sabe é que as duas venderam, na primeira década deste século, mais do que qualquer outra editora do país.
Visto objetivamente, os dados acima impedem qualquer acusador de plantão de afirmar que o brasileiro não compra livros. Se lê o que compra é outra questão. Subjetivamente, regionalmente e considerando os gêneros literários, o buraco é bem mais embaixo. Principalmente porque devemos considerar essas informações como exceções à regra, pois fazem referência a apenas uma editora entre tantas. E a menor entre as grandes. Não dá para generalizar, mas também não dá pra fechar os olhos diante desses fatos.
Essas informações nos levam a entender o que buscam as editoras comerciais, que trabalham com títulos trade e a entender como está o mercado editorial. Tomás Pereira, sócio da Sextante, afirma que “um livro se torna um best-seller fundamentalmente por sua força própria, que gera o boca-a-boca. Mas ajuda ter um preço acessível, uma boa distribuição”. Ou seja, o livro quando é bom, vende-se sozinho, gerando evangelismo literário automaticamente. Algo miraculoso, obviamente, próprio dos contos de fada, mas, nesse ponto, é interessante perceber dois focos para fazer qualquer título minimamente vendável: além da mensagem chegar ao leitor-alvo pelo boca-a-boca, por exemplo, o livro também precisa estar à disposição dele.
Isso pode nos explicar o porquê de raramente encontrarmos autores brasileiros nas listas dos mais vendidos. Em 2012, apenas Jô Soares chegou perto de causar algum ruído no mercado editorial brasileiro, que representa, em vendas, mais de 4 milhões e meio de reais. Alguns críticos apontam essa quase ausência como consequência da pouca quantidade de anúncios e de espaços reservados em livrarias para títulos nacionais. Novos nomes de escritores brasileiros estão surgindo, mas eles não aparecem em nenhuma revista semanal. Isso é um fenômeno à parte do mercado editorial, ou seja, não depende dele, pois é uma questão cultural.
Ícones culturais existem desde o fim da crise de 29. Tornam-se guias das massas que se dessujeitam por vontade própria, para sentir que fazem parte de algo maior, de uma comunidade. Isso explicaria a busca empreendida por literatura estrangeira, basicamente dos Estados Unidos. Questão de dominação econômica mesmo. Para obter o galardão de ícone cultural, portanto, o artista precisa ter nascido no centro do mundo – na nação que domina economicamente as outras. A cultura de massa, por isso mesmo, sustenta-se no mecanismo de dominação econômica imperialista, que se reflete na dominação cultural, artística, literária etc. de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, como o nosso. Foi assim no Brasil colônia, que beijava a mão do soberano cultural português, foi assim no século XIX, no Brasil que bebia da França, e foi assim no Brasil do século XX em relação aos EUA.
Entretanto, será assim neste século? Estamos passando por uma revolução tecno-cultural, explicitada por gadgets como o iPad e os smartphones. Porém, iniciada muito antes com a internet. Nem imaginávamos, até os fins dos anos 90, a existência dela. Hoje desligamos a televisão para assistir a vídeos pelo Youtube, para ler artigos marcados como favoritos por nossos conhecidos, enquanto ouvimos música baixada diretamente dela. Estamos fazendo a cultura de massa morrer.
Entretanto, isso vai além da tendência do mercado de nichos. Não se trata aqui de especialização de mercado, mas de um mercado onde as empresas poderão vender de tudo, pois haverá sempre um indivíduo disposto a comprar. Estamos resgatando o indivíduo perdido no passado.
Dentro de um mercado baseado na cultura de massa encontra-se a fórmula do 80/20: “20% dos produtos respondem por 80% das vendas (e geralmente por 100% dos lucros)”, conforme Chris Anderson. Mas tendo uma livraria virtual de e-books em mente, em que não há necessidade de distribuição nem de estoque, pode-se colocar milhares de livros à disposição do leitor, deixando que ele mesmo faça suas escolhas – como ocorre com o Youtube. Portanto, não há como essa antiga regra continuar em vigor, pois além de a mentalidade das pessoas estar mudando, de o leitor ir se acostumando aos poucos com textos digitais (como você que está lendo um texto que nunca foi impresso) e, também, com a possibilidade de as editoras possuírem catálogos cada vez mais diversificados, a regra só pode ir se transformando em outra. E Chris Anderson a batizou de regra dos 98%.
O leitor, portanto, pode olhar para tudo e escolher de tudo o que está a sua disposição, não precisando seguir o que mídias massificantes determinam como o ícone cultural de uma geração. Essa é a lógica do excesso. Nela, não é preciso escolher um produto para ser o “carro chefe” dos demais; ou, por escassez de espaço, empilhar dezenas de livros, para se obter lucro. Basta que editoras e livrarias digitais possuam títulos diversos, pois o espaço é infinito. Hoje, o leitor tem a chance de se tornar indivíduo e não parte de uma massa informe e sem vontade.
Tiramos duas conclusões disso:
Primeira, sinta-se à vontade para ler o que quiser, pois é isso o que você faz quando baixa seus Mp3, ou quando navega em algum portal de informação. Não se acanhe, ler é um prazer e deve continuar a ser assim. Você não é mais obrigado a seguir a massa; faça o seu caminho. O caminho que você está percorrendo, agora, na web, só você está fazendo.
Segunda, os escritores brasileiros não precisam se preocupar com listas de mais vendidos, o seu território está garantido, pois sempre haverá alguém disposto a ler o que eles escrevem. Não serão vendidos milhões de exemplares. Não haverá picos de vendas, e isso também não alegrará os corações dos empresários, mas a satisfação deles virá das pequenas vendas dos milhares de produtos que serão obrigados a disponibilizar. O gráfico disso é chamado cauda longa, pois nunca chega a zero. Ou seja, os escritores brasileiros continuarão vendendo pedaços de tripas, mas venderão sempre.
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