Vasculhava, apático, Do Mar ao Rio, com sonetos de Luciano Maia,
quando encalhei num deles em castelhano – Cuerpo de Mujer, Blancas
Colinas.... Suspeitei que sua beleza se devesse ao idioma – “una luz conmovida”, “la luna se apresó como una esclava” – mas vi,
duas páginas antes, os mesmos versos em português, e eles me confirmaram estar
diante de um poeta. O interesse cresceu. Maia começa o excelente O Grito, de
Edvard Munch dizendo “A ponte aponta um céu doente” – e isso me remeteu
diretamente ao célebre quadro maior da angústia –, e ele encerra Fatvm, dedicado a Antonio Girão Barroso,
lembrando que “tua mágica escritura (...) perdura / nestes versos, dos teus
dessemelhantes / mas irmanados numa Dor Futura”. Isso – digo também rimando – parece-me
poesia pura.
As gotas caem de nuvens combalidas
e alagam tudo quanto eu pense ou diga.
Isso é ótimo.
A sucessão de pepitas mostra bem a mina de ouro a que o autor nos
conduz. Em Luar Avoengo, há outro belo encerramento:
E longe vai, repercutindo em nós
aquele tempo que findar não quis
e nos regressa às luas dos avós.
As breves descrições são maravilhosas. Veja, em Lua da Infância:
A telha vã do incerto casario
avermelhava o próximo horizonte
(...)
sonho e clarão cresciam numa ponte
(...)
Brilhos de pirilampos e bruxedo
velam-me agora o sono de criança
na alta noite sonhando o sol mais cedo.
Outro poema em espanhol. Olhe que abertura:
El viento de los paramos lejanos
lleva hacia otros mares y llanuras
las sílabas de España.
E o belo contraste com llanuras, na rima:
(...) Guerras y cantos, hechos castellanos
sostuvieron la lengua en las alturas.
O resultado me lembra o prazer – numa época em que as
artes, todas, experimentaram de tudo, até do nada – que me traz o encontro, aqui e ali, de um pintor acadêmico dos
bons, numa bela feira de antiguidades, com seus retratos e paisagens
primorosos. “Noites destrancadas”, “o azul das suas falas”, “Já naveguei
além do Cabo Não. / Em troca do talvez busquei um sim”, “o dia se retira, como
um monge”, “Será por ser do só, por ser do sem?”, “homem exilado do ancestral
menino. / Pois de mim mesmo sinto-me banido”.
Muito bom.
Que você prossiga daqui: o livro tem cento e setenta e cinco sonetos.