Tive a ventura de conhecer e ouvir
César Leal nos monumentais Congressos Brasileiros de Teoria e Crítica
Literária, nunca mais igualados nas plagas campinenses, os quais, sob a
inspiração e comando da professora Elizabeth Marinheiro, ancorada no porto
seguro de um pequenino e operoso exército de cooperados voluntários, projetaram
a imagem de Campina Grande para além das fronteiras nacionais e se impuseram
como tribunas do pensamento livre e altamente qualificado no campo desbordante
da literatura.
De aparência física frágil, e sempre elegante na posse de
impecáveis ternos, César Leal brilhava na apresentação de exposições
ensaísticas firmes, essencializadas pela indisfarçável força exibida pelo
consórcio entre erudição, rigor teórico e imaginação, sobretudo quando essa
tríade debruçava-se sobre o universo da fenomenologia poética, acerca do qual o
criador de O Tambor Cósmico exibia
invulgar e invejável conhecimento, tendo dedicado a ele inúmeros e competentes
estudos, alguns dos quais premiados nacionalmente. Dimensões Temporais na Poesia, por exemplo, dois soberbos volumes
de ensaios voltados para a poesia contribuiu, decisivamente, para que o
escritor cearense-pernambucano recebesse um consagrador prêmio da Academia
Brasileira de Letras em reconhecimento ao conjunto da sua importante obra de
teórico e crítico da literatura. Portadora de vasto interesse epistemológico, a
sua ensaística acolheu um número considerável de escritores, tais como Jorge de
Lima, Ariano Suassuna, Ascenso Ferreira, Dante, Camões, Drummond, Thomas Mann,
Antero de Quental, dentre outros que foram alvos prediletos das suas eruditas
abordagens. Profundo conhecedor de várias vertentes da Teoria e da Crítica
Literária contemporânea, tendo recebido o título de portador de Notório Saber,
César Leal, em sua práxis exegética, nunca se mostrou refém de nenhum paradigma
teórico em particular; antes, soube de cada um deles valer-se de maneira parcimoniosa,
como um meio para se atingir o pulsante coração da obra de arte literária; e
não como um fim em si mesmo, vício metodológico em que se comprazem certos
estudiosos da literatura, cuja hermenêutica torna-se, por isso mesmo, árida e
quase impenetrável. César Leal pensou a palavra da literatura como um
instrumento por meio do qual o esteta da linguagem age, transformadoramente, no
mundo. Além de crítico respeitado, César Leal foi um grande poeta, dos maiores
que a literatura brasileira já produziu, atingindo, em alguns momentos, pontos
de altíssima voltagem lírica, a exemplo do que ocorre em livros como Tambor Cósmico e Triunfo das Águas, nos quais a tecelagem verbal do autor, a que se
acumplicia uma mundividência rica e densamente plural, revela um artista da
palavra completo, íntimo dos temários que cultivou e na plena posse dos
recursos retórico-estilísticos que soube mobilizar com singular mestria. Para
José Guilherme Merquior, uma das mais prodigiosas inteligências brasileiras de
todos os tempos, César Leal “é até agora o poeta mais preocupado com a teoria
do poema”. A morte de César Leal, por falência múltipla de órgãos, ocorrida, há
alguns dias, na cidade do Recife, impregna de luto a República das Letras do
Brasil.
*Docente
da UFCG
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