(inacabado,
mas curioso, como origem de “Esse é o Homem”)
O povo da
Paraíba
tem um
mistério grandioso:
como é
que de tanta pedra
mana tal
leite cremoso?
Tal
brilho de inteligência
parido em
plena indigência
lembra
invenção de Trancoso!
com o
poeta verboso.
O
subnutrido discute
co’economista
famoso.
Da
caatinga horrorosa
brota uma
prosa formosa,
no estilo
mais caviloso.
Mortalidade
infantil
não toca
em predestinados.
É como se
a Natureza
fizesse
um jogo de dados:
tantos
por cento pra Morte,
tantos
por cento com sorte
de terem
brilhos dourados.
A
podridão fez a glória
do grande
Augusto dos Anjos.
O povo
adora seus versos
em que
urubus são arcanjos.
A
complicação da palavra
fascina
pela sua lavra
nos mais
estranhos arranjos.
Estranhos
também parecem
os versos
arrevesados
que numa
voz cavernosa
por Zé
Ramalho cantados
aos
ignorantes deslumbram
e aos
mais ilustres alumbram
pelos
seus sons desusados.
Veja que
monstros gaiatos
retrata o
Sérgio Lucena.
Miguel
dos Santos vê outros
que seus
pincéis põem em cena.
Artistas
maravilhosos
antenam-se
nos pavorosos
delírios
que a noite encena.
E as
velas vão sendo acesas
no
altar cristão, no terreiro.
As curas
comemoradas
na
Universal, Joazeiro.
O povo
manobra a fé,
e a leva
pro lado que quer,
só isso é
bem verdadeiro.
Nunca se
viu tanta igreja
se
erguendo neste país,
nem
violência tão grande
- parecem
até dois brasis.
O
paraibano, coerente,
sempre
entre crente e descrente
sabe que
está por um triz.
Misterioso,
se lembra
do
catecismo, que diz:
“Se batem
na tua face
dá outra
face pro bis”.
Se benze,
todo respeito
e bate no
próprio peito,
mas não
vai dizer “Isso eu fiz”.
“Não vos
preocupeis - é o que dizem -
com
o que será o amanhã.
Deus
vos dará pela tarde
o
que vos faltou de manhã”.
Ninguém,
porém, é criança
de não
botar na poupança
o
que lhe custou tanto afã.
Do mesmo
modo é que o povo
de sua
História desdiz.
De Pedro
Américo fala
com
grande orgulho e feliz.
Mas sabe
que aquela história
daquele
quadro de glória
não vale
um cisco de giz.
Que
independência podia
gritar o
Pedro Primeiro?
Bom
português como era,
seria um
ato traiçoeiro.
Tanto
que, pleno e farto,
tornou-se
o Rei Pedro Quarto,
de
Portugal o herdeiro.
Zé
Américo escreve um livro
que deixa
o Sul abismado.
De tanto
que é original,
faz seu
autor consagrado.
“A
Bagaceira” é o primeiro
romance
bem brasileiro,
depois
foi muito imitado.
O caso
que o livro conta
já fora,
porém, contado.
Ninguém,
porém dera conta,
nem o
escritor inspirado.
Da
trágica Dinamarca
saltou de
dentro da arca,
o drama
aqui reiterado.
Dois anos
após lançar
a
sua célebre obra,
o cabra
vive a tragédia
em
que sua arte desdobra.
O rei é o
seu presidente,
assassinado
inocente
de sua
triste manobra.
A Paraíba
se racha
na guerra
civil geral,
Metade
dela é perré,
metade é
liberal.
E nesse
ser ou não ser
e nesse
Deve e Haver
contabiliza
o seu mal.
Outra das
glórias da terra
é o
grande Chateaubriand,
pra uns
genial empresário,
pra
outros, feroz Calibã.
Tvs,
museus e jornais
tirou dos
ricos banais,
e este
Brasil de amanhã,
O
paraibano bem sabe
que é o
Menino de Engenho.
Que é o
Papa-Rabo rebelde,
Que é o
Mestre Amaro no empenho.
Que é um
cangaceiro doído,
foi por
Zé Lins concebido,
de Santa
Roza, um desenho.
É o
Ariano Suassuna,
fiel da
Compadecida.
Vladimir,
Walter Carvalho
filmando
a terra sofrida.
O Bráulio
Tavares brincante,
o Celso
Furtado pensante,
Elba
Ramalho querida.
É Zé
Dumont, é Luiz Carlos
se está a
brilhar no cinema.
É Zé
Rufino, se a Arte
Contemporânea
é o problema.
É Flávio
Tavares pintando,
e ele é o
Sivuca tocando,
em cada
toque, um poema.
A
multidão paraibana
sofre na
seca, na estrada.
Esmola em
rodoviária,
saqueia a
cidade, esfaimada.
Pra
necessidade primária
só mesmo
a reforma agrária
pode dar
fim e mais nada.
É a mesma
gente que alcança
tecnológica
fama,
tornando
Campina Grande
um centro
que já proclama
ao mundo
inteiro a excelência
de sua
grande eficiência,
dentro do
seu panorama.
Existe um
mistério enorme
nessa
entidade, que é o povo.
Por isso
o Evangelho ensina
que há
sempre Cristo de novo
onde se
juntam seus crentes
dando-se
as mãos, conscientes
- só de
pensar me comovo.
Por
isso Hobbes dizia
que o
Estado é um ser poderoso,
um
Leviatã invencível
que pode
até ser monstruoso.
O
somatório de todos
- sejam
anodos, catodos,
gera o
povão misterioso.
E é para
ele que eu canto
este
cordel bem tramado
e é para
ele que eu passo
tudo que
tenho pensado
pra ver
se acordo o gigante
e o faço
andar mais confiante
pro seu
porvir... demorado.
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