“A vida é feita de indagações / e elas
realmente existem,/ por que será tantas opiniões / nunca jamais mudam,
persistem?” (Silmar Bohrer)
Qual a razão para emprestar algo que não queremos? E qual a receita para
devolver o que pegamos emprestado? Luis Câmara Cascudo diz que “Quem
empresta nem para si presta”.
A preocupação tem fundamento. Emprestar algo exige confiança recíproca e
responsabilidade para devolver, além do investimento em tempo e afeto.
Ao emprestar estamos anunciando um tempo de transformações em que nos
perguntamos: é um desafio? Mas, em pleno gesto, emprestamos com coragem e
coração aberto para os dilemas que virão: o momento aposta na devolução.
Numa sociedade imediatista como a nossa, nem sempre as pessoas levam em
conta o que prometem. A melhor maneira de encaminhar o assunto é com
sinceridade e pés no chão.
O sucesso ao emprestar depende, principalmente, da atitude de quem
empresta — desempenhar com seriedade a palavra assumida, que está mantendo o
relacionamento e dando o melhor de si. Uma boa conversa entre amigos, a verdade
sobre emprestar ou não, marca uma nova fase: a inquietude da espera para
desatar o nó.
É necessário refletir: emprestar ou não? O limite é emprestar; o superar
é devolver.
Emprestar é decisão pessoal e que deve preservar a história do objeto a
ser emprestado. Combinar a devolução é essencial para preservar a amizade.
Segundo Câmara Cascudo, “... cada objeto impregna-se do espírito da pessoa
que o possui. Participa de todos os fluídos e forças anímicas”. A crença
popular diz que quando emprestamos, a influência fica com o dono, os valores
místicos ocorrem para o legítimo dono.
Muitas vezes, quando emprestamos, causamos em nós mesmos desconforto,
medo e não temos desculpas para interromper o prazo concedido para a devolução.
Em dias alternados, pensamos no objeto emprestado e sentimos os incômodos que
se resumem numa “dor de cabeça” ou de cotovelo.
O conceito de emprestar tem significado bom ou ruim? É verdade que quem
empresta dá adeus? Emprestamos dinheiro, ganhamos ou perdemos o amigo?
Às vezes, emprestamos palavras e elas retornam em gestos carinhosos?
Emprestamos o nosso tempo ouvindo as histórias dos amigos e cedemos nossos
ombros para suas lágrimas.
Emprestar representa um dilema meu, seu ou nosso, porque pode significar
esquecer o que foi emprestado em todos os sentidos da palavra. Ficamos com a
sensação e a desconfiança de que os encantos da individualidade não serão
preservados, desaparecerão; é a atitude comum à insegurança e a insatisfação em
relação ao objeto emprestado, que a peça perde seu valor real e pessoal. Se
formos ousados, a saída é justificar os ganhos e perdas. O diálogo nos leva a
questionar a escolha: o momento, o amigo e o objeto. Nas palavras de Pedro Du
Bois, “... aculturamos /... respiramos tempos iguais, o espaço / conquistado
no entendimento; no comprometimento / as culturas se descobrem em pontos de
encontros”.
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