O preço do mate no Brasil está
aumentando. A produção da erva está diminuindo e os usuários do chimarrão já
reclamam. Vale a pena voltar ao passado e conhecer a história das gerações de
brasileiros que se dedicaram à exploração dessa riqueza. Hernâni Donato é autor
de um livro, ficção por sinal, que trata do tema. Recentemente falecido, Donato
deixou uma obra que merece ser lida, já com quatro edições (a mais recente da
Letra Selvagem, de Taubaté, SP), um filme que representou o Brasil no Festival
de Veneza em 1959 e duas peças teatrais.
Para conhecer o Brasil, há de se
recorrer à literatura e, no caso da mate, “Selva Trágica” é fundamental.
Documento eloquente, de notáveis revelações, de alto poder comunicativo, é obra
de grande valor estilístico, como o classificou Fábio Lucas. O romance do
escritor paulista ajuda a conhecer e entender um pedaço do Brasil no século que
passou e do qual, apesar de todos os esforços, sabemos tão pouco.
O Curaturã, empregado e quase escravo,
que passa 48 horas ininterruptas revirando a erva no fogo, descreve a tarefa:
“... Então se começa a respirar fumo e resina, a ser depurado em suor e fumaça.
Primeiro a gordura, depois, as carnes, a saúde, escorrem pelo corpo, nem saliva
na boca, nem dentes nas gengivas, nem lágrimas nos olhos. Vai sendo cozido dia
a dia: os intestinos secos e mortos... envenenando o corpo: o estômago ácido,
os pulmões cavernados, as veias saltadas, os olhos afundados. E, dia e noite,
vem forquilha nas mãos, revolvendo erva. No fim da primeira safra desce um
fantasma do piso onde subiu um homem”.
O autor descreve o cruel serviço, em
todas as fases e nuances. Os ervateiros trabalhavam desde as três horas da
madrugada até a tardinha. Diariamente, transportavam um fardo de erva com 20
arrobas, preso à testa, aos ombros e ao peito. Além do labor, o risco de
tropeçar (porque não podiam olhar o chão) e, se acontecesse, a morte seria
instantânea pois a coluna vertebral se romperia.
Esses homens (?) eram recrutados nos
povoados da fronteira Brasil-Paraguai, levados com promessas jamais cumpridas.
Hernâni Donato registra que não havia organização desses infelizes, cujo
protesto era a fuga. Mas os algozes da companhia que explora essa produção e
comercialização batiam e espancavam, trapaceavam, com indiferença e
brutalidade. E o governo longe, com vista fraca para enxergar o que acontecia
no meio do mato.
mhygino@hojeemdia.com.br
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