O
cearense Nilto Maciel, embora goste de umas e outras cervejas, não vive
no mundo da lua. Filiado à maneira de escrever e ficcionar chamada de realismo
fantástico, tal como Jorge Luís Borges, G. G. Márquez e, no Brasil, Murilo Rubião,
é um humanista e psicólogo nato, além de outras qualidades. Já não se pode
dizer isto do piauiense Rubervam du Nascimento, que quis acabar literariamente
consigo mesmo, depois de sua estréia: “Vou diminuir meu livro até acabar,
ficar apenas um poema”. Pensou, falou, depois se arrependeu e um dia
aparece em Brasília, fala com o Maciel: “olhe, Nilto,vim fazer o lançamento
de meu novo livro aqui”. Voltou desalentado. Pensava que Brasília era a
Paris de George Sand e toda aquela patota.
Nilto, conheci-o pessoalmente numa viagem a Cuba, no começo deste século, e
senti que ele levava muito a sério a literatura e as amizades. Já como
escritor, nosso conhecimento veio de seus primeiros livros. A presença
mostrou-me outra face: sua sátira de todas as formas e em todas as
oportunidades. Conversamos no bar do hotel, tiramos fotos numa praça de Havana,
tomamos cerveja (eu, poucas, ele mais), ambos observando principalmente as
cubanas passarem e aqui e acolá algumas palavras com escritores de lá, que não
nos pareceram muito alegres. Nilto tem razão: “E lá não conversamos
política”.
Nilto Maciel escreve e publica sem parar. Ganhou vários e ótimos prêmios, mas
isto não lhe valeu nem ser comentado na imprensa do sul/sudeste. Se tivesse
nascido ou morasse lá estaria nas melhores antologias do Brasil. Mas, o Ceará e
o Piauí – mesmo aquele de O. G. Rego de Carvalho – não terão vez no quinhão da
imortalidade literária, pelo que posso pressentir. Contista, romancista,
cronista, poeta e crítico literário, seu trabalho em favor da literatura não
fica somente na obra, pois editou a revista “LITERATURA”, a princípio em
Brasília e por fim em Fortaleza, durante alguns anos. Agora me manda seu mais
recente livro “COMO ME TORNEI IMORTAL”, cujo título e conteúdo constituem uma
sátira às academias de letras, a la dom Quixote. Edição do Armazém da
Cultura, Fortaleza, 2013, o livro é escrito em estilo coloquial com toques de
humor necessários para pegar o leitor pela mão: É o Ceará Literário através de
suas 32 crônicas. Mas não só bem humoradas (às vezes mistura o humor brasileiro
com alguma sardônica afirmativa de advogado do diabo). E vai traçando a
fisionomia material e psicológica de cada personagem – cearenses a maioria. No
capítulo inicial faz justa concessão a outros (eu e o Enéas Athanázio, por
exemplo). Assim, todos nós, escritores convocados para o livro, somos seus
personagens, no painel conto-crônicas. A maioria deles se reúne em sua casa –
que passa a ser a casa da Mãe Joana – ou em algum bar ou cabaré de Fortaleza.
Não se nota nenhum propósito do aparecimento do autor senão como autor,
portanto um livro de ficção. Podem ir acreditando que muita coisa é inventada
ou reinventada, especialmente quando trata de gerações passadas ou de autores
falecidos. Daí a razão maior do seu sucesso, agora, na crônica. Pois
no conto é mestre.
O gênero crônica deve ser leve, para a leitura diária, até mesmo no banheiro como fiz de algumas. E nisto Nilto caprichou. Obra singular. Uma obra viva. Deste tipo de memórias é que necessitamos: crônicas da vida literária. O escritor Pedro Salgueiro, personagem do livro de Nilto, já me sugeriu que eu escrevesse um, no mesmo rumo, sobre os piauienses. Não sei se tenho capacidade de fazê-lo, sou quase nulo no humor e também tenho um estilo recortado que muitas vezes não agrada. A sugestão do contista Salgueiro me deixa “penerando como pinto no xerém”. Mas considero, em primeiro lugar, que o Piauí é realmente mais pobre em prosa do que o Ceará. Além do mais, não sei dizer por que nos damos as costas há muito. Salvo em dois momentos o encontro acontece: quando os cearenses vinham corridos pela seca (que hoje está geral, nos dois estados); ou, quando nós piauienses, pela beleza da capital do Ceará, suas praias suas mulheres bonitas, vamos lá de passeio. E agora, já finalizando, lembro de uma cantiga popular que termina falando de Fortaleza, assim: “e as meninas cearenses / são dotadas de beleza”. Os escritores cearenses, especialmente os contistas, são dotados de bom estilo e criatividade literária. Não vou colocar nenhum grau, mas Nilto Maciel é, certamente, um deles.
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*Escritor
brasileiro, mora no Piauí (Teresina).
(Publicado em http://franciscomigueldemoura.blogspot.com.br/ dia 21/9/2013)
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