Everardo
Norões me presenteou com cinco livros da Companhia Editora de Pernambuco.
Exerce ele o cargo de presidente do Conselho Editorial. Os impressos são O sanfoneiro do Riacho da Brígida,
de Sinval Sá; 100 Poemas
escolhidos, de Mauro Mota; Um
sertanejo e o sertão, de Ulysses Lins de Albuquerque; Mulheres e rosas – Vida e sonho –
De monóculo, de Austro-Costa; e A
personagem dramática, de Rubem Rocha Filho.
Lidos,
passeio-os a Cleto Milani, tão carente de publicações (como eu nos primeiros
anos de vida). Depois de crescido, enchi a casa de brochuras e calhamaços.
Agora tenho dificuldade de me locomover entre as estantes. Sinto-me, às vezes,
perdido em labirinto. Muitos de meus sonhos se passam em corredores estreitos,
escuros, imbricados. Desejo sair, aspirar o mundo, ver o Sol ou a Lua,
encontrar pessoas, avistar animais e árvores. Acordo suado, a gritar por
socorro.
Cleto reapareceu semana passada. Apresentei-lhe os cinco objetos e dediquei duas ou três frases aos autores. Dos cinco, só tive contato com Sinval Sá, meu professor de português no 3º ano do curso científico (se não me engano). Não sei como consegui dele exemplar autografado do romance O vinagre e a sede (Editora Leitura, 1965). Terá ofertado a todos os seus alunos? Sinval nasceu na Paraíba, de pais pernambucanos. Adolescente, mudou-se para Fortaleza, onde se formou em Letras e Direito e exerceu o magistério. Muitos anos depois, encontrei-o em Brasília, onde também morava. Puxava cachorrinho pela calçada da Avenida W-3 Norte. Reconheci-o e conversamos por uns minutos.
Cleto reapareceu semana passada. Apresentei-lhe os cinco objetos e dediquei duas ou três frases aos autores. Dos cinco, só tive contato com Sinval Sá, meu professor de português no 3º ano do curso científico (se não me engano). Não sei como consegui dele exemplar autografado do romance O vinagre e a sede (Editora Leitura, 1965). Terá ofertado a todos os seus alunos? Sinval nasceu na Paraíba, de pais pernambucanos. Adolescente, mudou-se para Fortaleza, onde se formou em Letras e Direito e exerceu o magistério. Muitos anos depois, encontrei-o em Brasília, onde também morava. Puxava cachorrinho pela calçada da Avenida W-3 Norte. Reconheci-o e conversamos por uns minutos.
Tenho
admiração pela poesia de Mauro Mota. Entretanto, não mergulhei em toda a sua
profundidade. Meu conhecimento dela não chega nem perto de outras arquiteturas
poéticas. Em Manuel Bandeira me perdi em noites de insônia, assim como em João
Cabral. De Joaquim Cardoso examinei apenas dois ou três volumes. De Marcus
Accioly guardo lembrança de coleção de muitas páginas. Porém, não me lembro do
título.
Entre os
autores guardados em minha memória (dos cinco aqui mencionados) está também
Ulysses Lins de Albuquerque. E eu tinha ciência exatamente do escrito enviado
por Norões. A leitura ocorreu num período de evocação do Nordeste. Eu morava em
Brasília e, para matar a saudade, me entreguei a ler tudo quanto se referia
àquele pedaço de chão seco. Nesse tempo eu pude compreender um pouco Suassuna,
José Lins, Graciliano, Rachel, Zé Américo, Rodolfo Teófilo, Oliveira Paiva,
Adolfo Caminha e muitos outros. Saudade danada de estar longe do sol, da
alegria do povo e da beleza das meninas.
Meu amigo
Cleto Milani (desculpem-me, ele e os leitores, pelo engano cometido em outra
crônica, na qual o chamei de Milano), não titubeou e, sem solicitar nada, pegou
e enfiou num saco os cinco tomos: “Trago de volta daqui a uma semana. Isso pode
resultar em boa aula, seu Nilto”.
Na visita
seguinte, o velhote do Benfica me pareceu sorumbático e abatido. Que tens,
homem de Deus? Umas decepções, seu Nilto. Pois mas conte. Conto-as, se tuas
oiças estiverem dispostas a acolher... Caí no riso. “Deixe de frescuras, Cleto,
e vamos ao assunto de nosso interesse imediato”. (Deu-se assim mesmo, por
brincadeira. Só tencionava chamar meu amigo à realidade). “Conseguiu, ao menos,
manusear os papiros? Gostou ou sentiu dificuldades?” Remexeu-se no sofá e
passou dez minutos a gaguejar: “Desse Austro-Costa nunca ouvi falar. Dos bardos
por você citados, sim”. Sem a menor intenção de deixá-lo humilhado, não escondi
minha ignorância: Também não sabia da existência de Austriclínio Ferreira
Quirino. Ele riu: “Tanto o nome de batismo como o literário são muito
esquisitos”. E quem é ele? Viveu entre 1899 e 1953. Há informação de cada obra,
no prefácio: Mulheres e rosas é de 1922; Vida e sonho, de 1945; e De monóculo, 1967.
Meia hora
depois do início de nossa conversação, ele resumiu em duas linhas o modo de
escrever do vate pernambucano: “Não chega aos ombros de Manuel Bandeira, embora
se manifeste também com estilo livre de certas amarras, próximo do coloquial”.
Puxei-lhe as orelhas: “Não seja demasiadamente cáustico em relação ao poeta”.
Como se não tivesse ouvido minhas palavras, dedicou-se a ler: “Abro a
janela, espio a rua. / D’uma janela de terceiro-andar, / em noite velha assim,
só tristeza insinua / a Cidade, molhada de Luar”. Não vejo tanta liberdade
assim. Muitos e muitos poemas de Austro são pura elaboração artesanal. E
recitei, em voz alta, o início de “Flores do céu”: “À hora cristã do Ocaso,
o céu lembra um jardim / onde a Tarde, a sorrir, colhesse para mim / rosas de
âmbar e sangue e de neve e oiro jalde, / azuis, vermelhas como os cravos de
Oscar Wilde...”
Passamos ao
compêndio de Rubem Rocha Filho (1939-2008), o de menor número de páginas (126).
João Denys Araújo Leite, no prefácio, afirma: “A personagem dramática faz uma síntese admirável da história
canônica do teatro ocidental de braços dados com a história do teatro
brasileiro”. A coletânea tem 15 artigos, uma “nota final” e dois “adendos”.
Cleto confessou ter dedicado pouca atenção a ela. Não sente atração pela
dramaturgia (textos teatrais), nem pela história do teatro ou pela teoria do
teatro. A fim de demonstrar superioridade em relação a ele, dediquei alguns
minutos ao teatro: “Pois, embora tenha escrito apenas dois textos dramáticos
(autos), não seja frequentador de teatros ou incansável leitor de Sófocles,
Shakespeare e Molière, não recuso tragédias e dramas, nem estudos como este de
Rubem”.
Trocamos
mais farpas, verifiquei se a vassoura ainda se achava atrás da porta e
perguntei a Cleto por suas alunas. Ele tentou me ludibriar e engrolou frases
sem sentido. Livre dele, sentei-me diante do computador e redigi mensagem a
Everardo Norões. Agradeci a prenda, prometi-lhe breve crônica e saí com Eva
Calixto, jornalista por profissão e poetisa nas horas vagas. Fomos ao
restaurante... Ora, isso não interessa a ninguém.
Fortaleza,
22/24 de outubro de 2013.
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