(Quadro de Edgar Degas)
Comprou o jornal na banca, como
fazia todas as manhãs, e resolveu estender o passeio por outras quadras, além
das habituais que percorria. Entrou numa rua de edifícios altos, silenciosa,
poucos passantes. Descobriu, no alto da janela de um velho prédio, uma mulher
olhando indiferente a rua, penteando lentamente os cabelos. Ficou olhando-a
curioso e até sorrindo. Chegou à esquina e de lá ficou observando-a. Ela
continuava, ar de devaneio, a pentear-se, em ritmo lento. Balançou a cabeça,
sorriu, e tomou o caminho de casa.
No dia seguinte, ao comprar o
jornal, lembrou-se dela e resolveu passar novamente em frente ao velho
edifício. Entrou na rua, silenciosa e tranquila, e tomou um susto. Lá estava
ela, encostada à janela, penteando os cabelos, como se não tivesse parado de
fazê-lo desde o dia anterior. Demorou-se no fim do quarteirão, olhando-a e
olhando-a, e ela não alterava o ritmo, sem sair do ar de devaneio.
Retornou no outro dia. Mesma mulher,
mesmos gestos. Então estranhou. Mudou seu passeio de horário. Lá estava ela.
Indagou na banca de jornais quem seria. Não sabiam e nunca a viram. Indagou de
passantes do quarteirão. Não lhe davam atenção. Resolveu dirigir-se ao
porteiro do velho edifício. O susto aumentou. Ninguém atendeu, tudo fechado. E
ela lá em cima permanecia penteando os cabelos. Dirigiu-se a um carro de
polícia que passava. Nenhum policial que ia nele viu janela aberta. Palpitou,
desorientado.
Voltou para casa às pressas. O que
lhe estava acontecendo? Teria que tomar providência. Entrou, sentou-se lívido e
palpitando, gritou pela mulher. Os passos dela vieram lentos pelo corredor.
Quando a viu em sua frente, a perplexidade tomou-lhe conta de vez: ela, ar de
devaneio, penteava lentamente os cabelos.
SP, 9/8/2013.
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