A poesia não é, como se pretendeu até certo tempo atrás, um dom da
natureza, um regalo dos deuses ou um acidente cromossômico da genética. A
poesia é um longo processo talhado em matéria prima da vida – jamais um simples
e instantâneo produto.
Por outro lado, não sendo o poeta um
iluminado de Deus, há de ser tão somente o portador de todas as emoções capazes
de brotar da alma humana. Acrescido de uma faculdade: a de portar não somente
os seus próprios sentimentos, mas também todo o sentimento do mundo.
Miguel de Unamuno dizia:
Eu sou eu e as minhas circunstâncias.
Dizia isso porque carregava consigo – além do seu próprio – todo o
sentimento do mundo.
Depois,
Carlos Drummond de Andrade acrescentou:
“Tenho duas mãos
e o sentimento do mundo...”
Regina
Lyra, neste seu livro de estreia, parece não se contentar com esse patrimônio
do qual se investem todos os poetas e se apropria de uma inquietação ainda
maior, buscando revelar a si mesma e aos outros a intimidade do viver. Essa a
razão fundamental do Livro das Emoções
no interior do qual mergulha fundo para testemunhar sobre si mesma e sobre o
universo que a envolve.
É uma longa viagem.
Desde
as primeiras perplexidades, vividas em atmosfera quase adolescente, como do
poema “Incerto”:
“Um vago
Um algo
Um não sei o que
De dentro,
Do íntimo,
Num vagalhão
De sentimentos,
De sentidos,
De conhecimentos.
Um algo
Muito grande
E muito pequeno,
Enigmático
Sem sentido
E com um sentido
Profundo,
Claro
E ao mesmo tempo
Escuro
Sem medo
E com um medo
Do início,
Do comício.
Algo com um fim
Que faz a vida
Ser assim... ”
Naturalmente,
essa é a fragilidade de quem conhece os primeiros embates da existência e toma
o primeiro golpe, sente a força do vagalhão, mas, mesmo assim, posta-se diante
da vida com a coragem dos verdadeiros poetas, sem o menor traço de intimidação,
para concluir estoicamente: “Algo com um fim/Que faz a vida /Ser assim... ”
O que me
impressionou nesta coletânea O Livro das
Emoções foi a inteireza, a unidade que acabou prevalecendo em suas páginas,
como se durante a vida inteira, vivendo intensamente, Regina Lyra aos poucos se
advertisse da sequência que os seus poemas deveriam possuir, à medida que, simplesmente, vivia.
Se
é um exercício de vida, na sua plenitude, Regina pode perfeitamente parodiar
José Américo, que proclamava: “ Eu só sei viver literariamente... ”
Diante desses versos que sintetizam toda uma vida,
poderia deduzir serenamente: Regina Lyra só sabe viver poeticamente...
*Luiz Augusto Crispim: Poeta, cronista, jornalista.
(Prefácio: O Livro das Emoções. João Pessoa: Ed. Universitária (UFPB), 1998.)
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