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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Retratos (poéticos) da vida (Luiz Augusto Crispim*)




A poesia não é, como se pretendeu até certo tempo atrás, um dom da natureza, um regalo dos deuses ou um acidente cromossômico da genética. A poesia é um longo processo talhado em matéria prima da vida – jamais um simples e instantâneo produto.
      
        Por outro lado, não sendo o poeta um iluminado de Deus, há de ser tão somente o portador de todas as emoções capazes de brotar da alma humana. Acrescido de uma faculdade: a de portar não somente os seus próprios sentimentos, mas também todo o sentimento do mundo.

            Miguel de Unamuno dizia:
                  Eu sou eu e as minhas circunstâncias.
Dizia isso porque carregava consigo – além do seu próprio – todo o sentimento do mundo.
            Depois, Carlos Drummond de Andrade acrescentou:
“Tenho duas mãos
    e o sentimento do mundo...”
           Regina Lyra, neste seu livro de estreia, parece não se contentar com esse patrimônio do qual se investem todos os poetas e se apropria de uma inquietação ainda maior, buscando revelar a si mesma e aos outros a intimidade do viver. Essa a razão fundamental do Livro das Emoções no interior do qual mergulha fundo para testemunhar sobre si mesma e sobre o universo que a envolve.
            É uma longa viagem.
         Desde as primeiras perplexidades, vividas em atmosfera quase adolescente, como do poema “Incerto”:

  “Um vago
    Um algo
    Um não sei o que
    De dentro,
                     Do íntimo,
                     Num vagalhão
                     De sentimentos,
                     De sentidos,
                     De conhecimentos.
    Um algo
    Muito grande
    E muito pequeno,
    Enigmático
    Sem sentido
    E com um sentido
    Profundo,
    Claro
    E ao mesmo tempo
    Escuro
    Sem medo
    E com um medo
    Do início,
    Do comício.
    Algo com um fim
    Que faz a vida
    Ser assim... ”

         Naturalmente, essa é a fragilidade de quem conhece os primeiros embates da existência e toma o primeiro golpe, sente a força do vagalhão, mas, mesmo assim, posta-se diante da vida com a coragem dos verdadeiros poetas, sem o menor traço de intimidação, para concluir estoicamente: “Algo com um fim/Que faz a vida /Ser assim... ”
                       
O que me impressionou nesta coletânea O Livro das Emoções foi a inteireza, a unidade que acabou prevalecendo em suas páginas, como se durante a vida inteira, vivendo intensamente, Regina Lyra aos poucos se advertisse da sequência que os seus poemas deveriam  possuir, à medida que, simplesmente, vivia.

            Se é um exercício de vida, na sua plenitude, Regina pode perfeitamente parodiar José Américo, que proclamava: “ Eu só sei viver literariamente... ”

         Diante desses versos que sintetizam toda uma vida, poderia deduzir serenamente: Regina Lyra só sabe viver poeticamente...


*Luiz Augusto Crispim: Poeta, cronista, jornalista.

(Prefácio: O Livro das Emoções. João Pessoa: Ed. Universitária (UFPB), 1998.)

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