Ela
guarda a dor em seu nome, mas a dor não demora em sua alma. Ela reparte suas
dores com quem as merece: todos nós que sofremos e fazemos sofrer. Ela é Dôra
Limeira, a que dói e dá frutos.
Cancioneiro dos loucos foi publicado pela Idéia, de João Pessoa, com
recursos do FIC da Secretaria de Cultura do Governo da Paraíba. Divide-se em
duas partes. “Cantigas lacrimosas” concentra contos inspirados em velhas
canções de amor e desespero. “Lamentos de porta em porta” é o que o nome diz:
cada porta de casa guarda um lamento por um filho morto, um sonho desfeito, uma
mutilação...
Quem
conhece os livros anteriores de Dôra já sabe o que esperar deste “Cancioneiro”.
Contos curtos, quase sem enredo, instantâneos das vidas comuns que precisam de
pouco para viver suas tragédias. O mundo em que vivem tudo provê para que
sofram pelo simples motivo de estarem vivos.
Os
leitores de Dôra também não se espantarão com o seu estoque de escatologias.
Seus personagens sangram, vomitam, se mijam, se cagam e fedem todos os fedores
que o muito sol e a pouca água podem fazer feder. O leitor atravessa o livro
com um embrulho no estômago e respira aliviado quando vira a última página. Então,
pergunta-se ao leitor: por que não largou o livro no meio? Por que suportou até
o fim esta ânsia de vômito? A resposta é simples: é impossível deixar de
lado aquilo que nos pertence. O leitor se deixa seduzir pelo texto de Dôra porque
ele lembra que somos feitos dessa matéria. Se somos diferentes em nossa
aparência externa, ninguém conseguiria identificar as nossas tripas se as
vissem expostas no açougueiro.
Somos
também iguais nas sombras que engendram nossas almas. Um pouco mais, um pouco
menos, todos cheiramos mal. São testemunhas disto nossos sonhos, que nunca acabam
bem e sempre nos geram angústias. Foi para nos lembrar disto mais uma vez que
Dôra escreveu seu Cancioneiro dos loucos.
Nas
mãos dos leitores, portanto, um pouco mais de Dôra, um pouco mais de dor.
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