Sempre
leio muitos poetas. Uma viagem que vai das líricas camonianas à inventividade
de Hopkins. Logicamente que o itinerário vem sendo permeado pelas necessárias
colheitas da produção contemporânea. Observo que os poetas do nosso tempo, aos
poucos, vão se insurgindo diante de mugidos arcaicos e engessamentos
vanguardistas. Um exercício lógico, se observarmos que as nossas caminhadas
mais prazerosas começam sempre no encantamento com os próprios passos. Nossos
olhos precisam estar atentos e a nossa mente, calma.
Talvez, por
isso, a leitura dos dois livros anteriores de Regina Lyra tenha remetido tão
imediatamente as minhas observações para um momento do romance Lavoura Arcaica, de Raduan
Nassar: “(...) não podemos nos permitir a pureza dos espíritos exigentes que,
em nome do rigor, trocam uma situação precária por uma situação inexistente
(...)”. A partir daí surgem algumas deduções meramente intuitivas, mas que me
deixam a vontade para apresentar aos leitores de Insensatas Palavras, algumas
observações tão sinceras quanto despretensiosas. Afinal, os poemas de Regina
Lyra dizem muito mais de si mesmo que qualquer análise fugidia que a minha
indigência crítica.
Nesta virada de milênio a poesia universal encontra-se diante de um
cardápio fabuloso de possibilidades. E a poesia é a mais universal de todas as
artes. Também porque, além de possibilitar uma releitura das demais formas de
expressão, ainda encontra vigor para embrenhar-se nas cordilheiras do seu
próprio território, cometendo atos de permanente subversão estética. É uma arte
libertária que não permite calabouços conceituais. E esta compreensão talvez
seja esta a melhor fortuna da poesia contemporânea.
A possibilidade de exercitar livremente o verso, em verdade, significa o
comprometimento com uma tradição que antecede Ovídio, Homero e até as primeiras
expressões da linguagem escrita. (Especulando-se aí o fato de que a poesia tem
a idade do mundo). Mas a poesia não é, definitivamente, como diria Mário
Quintana, “uma corrida de cavalos”. Portanto, brindemos previamente com nossas
colheitas de camomila aos generais da política literária. Ao invés de
procedimentos arrogantes e excludentes, devemos sempre acolher aqueles que buscam firmar os
pés nesta areia movediça.
Regina Lyra não necessita de aprovações e acenos de boas vindas. Ela
escreve o que vive no cotidiano, com a ternura de quem acredita que a
felicidade não é um ponto perdido na memória. E nem pede passagem, porque
caminha sem medo pelas próprias emoções, despindo-as, desvendando-as,
transmutando-as em versos que buscam “fertilizar o solo estéril do cotidiano
abrindo as comportas dos sentimentos (...)” como diz o poeta Sérgio de Castro
Pinto, na orelha do seu primeiro livro (O
Livro das Emoções). E, continua o poeta, dizendo que para Regina “as
palavras parecem ser uma espécie de cordão umbilical atando-a firmemente à
fugacidade da vida”. Perfeita a digressão do mestre. Nada mais precisaria ser
dito. No entanto, muito tem se falado acerca do sentimento expresso na obra
poética. T. S. Eliot, afirmou que é mesmo necessário ao poeta desnudar-se de
sentimentos. E concluiu: “mas, quem poderá desvestir-se do que não
possui?”. E aí completo o raciocínio,
lembrando o velho Mallarmé dirigindo-se ao seu amigo pintor impressionista, Degas,
que afirmava ter boas ideias, mas não conseguia escrever poemas: “poemas não se
fazem com idéias, mas com palavras”. E logicamente que nem com sentimentos. Mas
a palavra é apenas um dos instrumentos de expressão que pode dar asas ao poema.
Talvez por isso, para Mário Quintana, “a poesia se resume na procura da
poesia”. E Regina Lyra, quando escreve poemas como “Banquete”, muito mais do
que expressar os seus sentimentos, está buscando sua melhor utopia.
O lado racional da docente do Departamento de Administração da UFPB
conflita com a alma em chamas da mulher, na busca da evolução de seus versos
“polimétricos”, como diria Alberto da Cunha Melo.
Por todos os seus versos, por todos os seus esforços para publicar seus
poemas nesta terra de política editorial nenhuma, eu ouso parodiar Drummond
para dizer: “vai, Regina, ser poeta na vida”.
(Prefácio: Insensatas
palavras. João Pessoa: Ed. Universitária (UFPB), 2003.)