Cedo, ao sair, antes de entrar em casa, à tardinha,
cumprimentava os vizinhos, tocando com os dedos no chapéu, numa postura e
polidez que o quarteirão inteiro admirava. Curvava-se, em particular, para a
vizinha do lado, que estava sempre à janela do andar superior. Senhora recatada, viúva, bem vestida, como se
estivesse sempre pronta para sair. Serviam-se ambos de criadas, que chegavam
cedo e saíam à tarde. Ela também cumprimentava a todos do alto da sua janela.
Chamavam-no de professor e admiravam o seu cavalheirismo
silencioso. Nos fins de semana ele se trancava no escritório e biblioteca e a
criada não aparecia. Não permitia que ela entrasse. Ele arrumaria e limparia
tudo.
Achavam a senhora viúva uma deusa, soltando sempre beijos
às crianças de colo ou que passavam levadas pelas mãos dos pais. Tinha o seu
quarto de lembranças raras. Não permitia também que a criada, que não vinha nos
fins de semana, entrasse nele. Eram lembranças antigas. Zelaria por elas
sozinha.
Os moradores do quarteirão elogiavam e elogiavam a boa
postura dos dois, exemplos vivos de educação rara. Os pais contavam aos filhos
a diferença enorme da boa educação antiga e as loucuras de agora, que
veiculavam até nas televisões.
Nos fins de semana, à noitinha, enquanto os pais, à mesa
do jantar, voltavam a lhes lembrar a boa educação de outrora, e tornavam a dar,
como exemplo, os dois que moravam sozinhos, o professor afastava a cortina, por
trás da estante de livros, abria a passagem secreta que dava para a casa
vizinha, e ia miando:
– Cadê a minha gatinha querida?
Ela, a viúva, miava também alegre:
– Estou aqui, meu gatão.
E os dois se envolviam em gritinhos e miadinhos abafados,
recortados de beijos continuados, e iam até... até...
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