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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Os vizinhos (Caio Porfírio Carneiro)



                                      
            Cedo, ao sair, antes de entrar em casa, à tardinha, cumprimentava os vizinhos, tocando com os dedos no chapéu, numa postura e polidez que o quarteirão inteiro admirava. Curvava-se, em particular, para a vizinha do lado, que estava sempre à janela do andar superior. Senhora recatada, viúva, bem vestida, como se estivesse sempre pronta para sair. Serviam-se ambos de criadas, que chegavam cedo e saíam à tarde. Ela também cumprimentava a todos do alto da sua janela.
            Chamavam-no de professor e admiravam o seu cavalheirismo silencioso. Nos fins de semana ele se trancava no escritório e biblioteca e a criada não aparecia. Não permitia que ela entrasse. Ele arrumaria e limparia tudo.
            Achavam a senhora viúva uma deusa, soltando sempre beijos às crianças de colo ou que passavam levadas pelas mãos dos pais. Tinha o seu quarto de lembranças raras. Não permitia também que a criada, que não vinha nos fins de semana, entrasse nele. Eram lembranças antigas. Zelaria por elas sozinha.
            Os moradores do quarteirão elogiavam e elogiavam a boa postura dos dois, exemplos vivos de educação rara. Os pais contavam aos filhos a diferença enorme da boa educação antiga e as loucuras de agora, que veiculavam até nas televisões.
            Nos fins de semana, à noitinha, enquanto os pais, à mesa do jantar, voltavam a lhes lembrar a boa educação de outrora, e tornavam a dar, como exemplo, os dois que moravam sozinhos, o professor afastava a cortina, por trás da estante de livros, abria a passagem secreta que dava para a casa vizinha, e ia miando:
            – Cadê a minha gatinha querida?
            Ela, a viúva, miava também alegre:
            – Estou aqui, meu gatão.
      E os dois se envolviam em gritinhos e miadinhos abafados, recortados de beijos continuados, e iam até... até...
                                                                      
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