Ontem,
entrei no carro da lembrança, sentei-me, liguei o arranque do passado e pus-me
a viajar em estado de confidências. Foi quase uma hora entregue aos ventos da
estrada da memória.
Não
imagine, caro leitor, que foi um furacão que me invadiu o cérebro. Não, longe
disso, vi-me a trafegar suave por entre uma ventania contida, com o prazer do
refrigério e sem o medo da força da natureza.
Logo
de início, passei pela estação da infância. Confesso que foi uma visita rápida.
Vários passageiros cumprimentaram-me, lembraram-me de travessuras nas barrancas
do rio Acaraú, descobertas antigas acorreram-me... mas, confesso, quis logo
sair. Como se tomado por uma impaciência pelo telurismo. Entender, quem há-de.
Segui.
Duas curvas à frente, sob a copa frondosa das utopias da juventude, a segunda
parada. Desci, tomei um refrigerante, revisitei fatos da minha diáspora do chão
de Santana, chegando, quase menino, na capital cearense. O cheiro da grande
cidade assomou ao meu nariz, e eu tive um surto de medo, idêntico ao sentido
por mim àquela época. Com pouco, os alunos do Marista Cearense me abraçaram e
eu falei a eles que alguns dos meus projetos de vida se realizaram, e outros,
bem, outros ficaram na gaveta da procrastinação. Gaveta esta que prometo sempre
abrir no ano vindouro. Inquieto, rumei para a estação seguinte.
Desta
feita, com velocidade mais baixa. As reminiscências funcionavam como um redutor
do meu avanço, como se solicitassem de mim mais tempo, para serem entendidas,
sentidas e digeridas. A reflexão, no mais das vezes, pede o enrosco dos
ponteiros do tempo.
Confesso
que fui invadido por um certo cansaço. Não se deve engolir muitas léguas no
mesmo dia no volante do carango da memória.
Como
sou um rematado teimoso, continuei o meu périplo. Uma viagem para dentro do meu
passado. Ou seria para dentro de mim mesmo?
Acelerei,
como se, assim agindo, tudo me fosse mais leve. Engano meu. Os espectros
fechavam a estrada, bloqueavam-me a fuga, exigindo que descesse e tomasse, em
detalhes, conhecimento de todos os incidentes de então. No começo,
enfrentei-os, na tentativa de convencê-los a ceder. Não me deixaram saída, e,
resignado, guardei a minha pressa e ouvi-os.
Recontaram
as minhas ilusões, reacenderam a pira das minhas olímpicas certezas — hoje tão
imersas na penumbra da dúvida — e fizeram com que ficasse, frente a frente, com
o jovem acadêmico de engenharia. Eu, amante dos cálculos, detentor da cretina
certeza de que a Ciência poderia resolver todas as nossas mazelas. “Uma questão
de trabalho e de vontade!” — a voz do inconformado e “revolucionário” acadêmico
de engenharia civil.
Despedi-me,
não sem antes dar a volta pela praça de outras recordações. Os namoros, as
decepções primeiras, a experiência de professor, a formatura, os empregos, a
descoberta da verdadeira paixão, a minha Biscuí.
Quando
a bonança mostrou o seu prenúncio, engatei a marcha do presente, confessando-me
que era mais do que hora de seguir. O futuro me espera, com o passado e o
presente que se encerram.
Bom
domingo, caro leitor!
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