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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Estrada da memória (Clauder Arcanjo)





  
Ontem, entrei no carro da lembrança, sentei-me, liguei o arranque do passado e pus-me a viajar em estado de confidências. Foi quase uma hora entregue aos ventos da estrada da memória.
          Não imagine, caro leitor, que foi um furacão que me invadiu o cérebro. Não, longe disso, vi-me a trafegar suave por entre uma ventania contida, com o prazer do refrigério e sem o medo da força da natureza.
Logo de início, passei pela estação da infância. Confesso que foi uma visita rápida. Vários passageiros cumprimentaram-me, lembraram-me de travessuras nas barrancas do rio Acaraú, descobertas antigas acorreram-me... mas, confesso, quis logo sair. Como se tomado por uma impaciência pelo telurismo. Entender, quem há-de.
Segui. Duas curvas à frente, sob a copa frondosa das utopias da juventude, a segunda parada. Desci, tomei um refrigerante, revisitei fatos da minha diáspora do chão de Santana, chegando, quase menino, na capital cearense. O cheiro da grande cidade assomou ao meu nariz, e eu tive um surto de medo, idêntico ao sentido por mim àquela época. Com pouco, os alunos do Marista Cearense me abraçaram e eu falei a eles que alguns dos meus projetos de vida se realizaram, e outros, bem, outros ficaram na gaveta da procrastinação. Gaveta esta que prometo sempre abrir no ano vindouro. Inquieto, rumei para a estação seguinte.
Desta feita, com velocidade mais baixa. As reminiscências funcionavam como um redutor do meu avanço, como se solicitassem de mim mais tempo, para serem entendidas, sentidas e digeridas. A reflexão, no mais das vezes, pede o enrosco dos ponteiros do tempo.
Confesso que fui invadido por um certo cansaço. Não se deve engolir muitas léguas no mesmo dia no volante do carango da memória.
Como sou um rematado teimoso, continuei o meu périplo. Uma viagem para dentro do meu passado. Ou seria para dentro de mim mesmo?
Acelerei, como se, assim agindo, tudo me fosse mais leve. Engano meu. Os espectros fechavam a estrada, bloqueavam-me a fuga, exigindo que descesse e tomasse, em detalhes, conhecimento de todos os incidentes de então. No começo, enfrentei-os, na tentativa de convencê-los a ceder. Não me deixaram saída, e, resignado, guardei a minha pressa e ouvi-os.
Recontaram as minhas ilusões, reacenderam a pira das minhas olímpicas certezas — hoje tão imersas na penumbra da dúvida — e fizeram com que ficasse, frente a frente, com o jovem acadêmico de engenharia. Eu, amante dos cálculos, detentor da cretina certeza de que a Ciência poderia resolver todas as nossas mazelas. “Uma questão de trabalho e de vontade!” — a voz do inconformado e “revolucionário” acadêmico de engenharia civil.
Despedi-me, não sem antes dar a volta pela praça de outras recordações. Os namoros, as decepções primeiras, a experiência de professor, a formatura, os empregos, a descoberta da verdadeira paixão, a minha Biscuí.
Quando a bonança mostrou o seu prenúncio, engatei a marcha do presente, confessando-me que era mais do que hora de seguir. O futuro me espera, com o passado e o presente que se encerram.
Bom domingo, caro leitor!

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