Em
1975, três meses antes da morte do generalíssimo Franco, a Espanha, entre
satisfeita e perplexa, descobria um romance que, por sua originalidade,
contrastava com tudo o que se escrevia no país àquela época. Chamava-se La verdad sobre el caso Savolta
(Seix-Barral, Planeta Espanha). E seu autor, Eduardo Mendoza, passava a ocupar
um lugar no altar reservado às promessas literárias. Era o momento em que a
literatura espanhola, sem medo de reconhecer a influência dos grandes
escritores do boom latino-americano,
como Gabriel García Márquez, Julio Cortázar e Mario Vargas Llosa, reciclava-se
e passava a apresentar um produto novo.
Trinta
e seis anos depois, Mendoza não é mais uma promessa, mas, sim, um autor
consagrado. No total, o autor já deu à luz 17 títulos, tendo vendido cerca de
um milhão e meio de exemplares. Só o recente A assombrosa viagem de Pompônio Flato (Planeta, 2010), que o autor
define como uma “novela de humor” ou “de avión”, passou dos 500 mil exemplares
na Espanha. Como seus livros “vendem como churros” – para se repetir aqui uma
típica frase mendozina –, ele vive de direitos autorais há três décadas,
privilégio reservado a poucos.
Hoje,
além de indiscutível ponto de referência na literatura espanhola, Mendoza,
mesmo a contragosto, é leitura obrigatória em programas escolares. O mistério da cripta amaldiçoada e El laberinto de las aceitunas
(Seix-Barral, Planeta Espanha) são renovadores na forma, embora resgatem a
tradição picaresca e até uma esquecida fórmula cervantina – a de utilizar como
paródia uma linguagem anterior à de sua época.
Além
de deixar evidente, a partir de seus próprios títulos, a influência do gênero
policial – mais especificamente, o romance negro norte-americano –, seus livros
resgatam não só a tradição do romance popular como a do romance gótico, ficção
romântica que dominou a literatura inglesa durante o final do século XVIII e
início do XIX, geralmente ambientada em cenário lúgubre e desolado, no qual se
desenrolam enredos de mistério e terror. Nestas duas obras, é um detetive louco
quem “escreve” os livros não no momento em que ocorrem as aventuras, mas na
hora em que são contadas.
Para
tanto, Mendoza recupera um personagem bem espanhol, o pícaro, uma espécie de Lazarillo de Tormes (1554), romance de
autor anônimo. O pícaro de Mendoza repete um truque de Miguel de Cervantes que,
por sua vez, colocou Dom Quixote a falar um idioma que já não era o de seu
tempo, mas um castelhano primitivo, reconstruído com erros e tonterías, o que, hoje, por causa da
distância, é difícil de perceber. Assim, o detetive louco de Mendoza escreve um
espanhol de paródia, pois procura falar de uma maneira elegante e culta, mas
que soa ridícula porque já fora do seu tempo.
É
esse tipo de literatura descompromissada que faz Mendoza popular entre os
jovens leitores, além de ser talvez o maior romancista espanhol vivo.
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O MISTÉRIO DA CRIPTA AMALDIÇOADA, de Eduardo Mendoza, tradução de Luis Reyes Gil. São
Paulo: Planeta Literário, 192 págs., R$ 29,90.
Site: www.editoraplaneta.com.br E-mail:
vendas@editoraplaneta.com.br
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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura
Portuguesa e mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo
(Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil
Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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