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domingo, 9 de fevereiro de 2014

O filho pródigo (Flávio R. Kothe)
















Quando o teu oscilante andar de infante
dependia ainda do que parecia ser minha
segura mão, a tua mãozinha na minha
sustentava meu espírito cambaleante.

Vivíamos anos de chumbo e de terror,
tive de ficar a fugir de lugar em lugar,
alugando quartinhos para nos abrigar,
enquanto tentava não cair em amargor.

Tu nasceste porque à tua mãe convinha
mas a mim que fugia foi uma adivinha:
ela apenas buscava manter a máscara
sem saber por que amava e tinha asco.

Tu nasceste sob um signo tão ruim,
sem saber destruías o sonho em ruína;
mas eu entendi que culpa não tinhas,
não aceito o horror que tens por mim.

Correndo de um lado para o outro,
eu fiz por ti o que possível me soou:
perfeito não fui, perfeito sequer é
aquele em quem já se teve muita fé.

Inimigos morando comigo, isso tive,
ingratidão e ódio por amores obtive,
mas continuo fazendo meu caminho
enquanto pouco a pouco me definho.

Assim que não precisaste mais de mim
tu me deste as costas e foste embora;
de nada adiantaram alertas nessa hora:
sem dar um passo, aguardarei até o fim.

Eu rompi com o meu pai, tu rompeste
com o teu, que não por acaso sou eu:
repetimos a saga dos antigos helenos,
com sangue quente também nasceste.

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