Atos em Arte, de
Regina Lyra, é um livro muito bem afinado com a personalidade da autora. É, portanto, um livro fiel ao comando afetivo
de Regina. Seus sentimentos nele se
projetam como corpos despidos em praias que se abrem para a intensidade do sol
tropical, sem rebuços, acanhamentos ou timidezes, plenos do cálido desejo de se
ofertarem à mornidão dessas longas tardes infindáveis, repletas de sensualidade
e preguiça.
A
poesia amorosa, o elã vital, a festa dos sentidos, o ardor juvenil, o apego ao
cotidiano, a topografia corporal, o erotismo, o hedonismo, o epicurismo, a
voluptuosidade e o desejo são a temática, os tópicos, o cenário e a ambientação
desses textos quase sempre voltados para a celebração do prazer.
Inútil
procurar a sombra de uma nuvem pressaga no céu particular dessa poesia toda
voltada à exaltação do amor físico em sua plenitude. Esse é, de fato, o centro, o fulcro, o
núcleo, o eixo em torno do qual se movem os textos em poesia que formam este
volume.
Os
poemas deste livro são, em geral, curtos, tal como os versos que os
compõem. Há só um poema de maior
extensão, denominado "Perfil: Regina Lyra", que compreende seis
páginas. A autora parece ter urgência em comunicar suas explosões de vitalidade
incontida, para anunciar ao leitor a força do "pathos" que agita e
exacerba sua sensibilidade em ebulição.
O ardente apelo à carne e aos sentidos não
impede que Regina assinale a intrínseca sintonia do afeto com a solidariedade,
ao escrever, no poema intitulado "Chamado":"Amor.../ Via de mão
dupla,/ quando um fraqueja,/ outro ajuda!"
A
atmosfera, por vezes fantástica e onírica, dos enlaces amorosos defronta-se
também com o despertar para a realidade concreta do cotidiano, nestes versos do
poema denominado "Olhos lavados": "Quem sabe o sono/ tenha
levado teus olhos... / A manhã os lavou dos sonhos."
Há
um intervalo na sequência múltipla de sensações, em que Regina lança um olhar
crítico sobre a lavra da poesia, tecendo estas considerações no poema que ela
denomina "Ser poeta": "Poesia é questão de estética/ Não dá para
ser de qualquer jeito/ Nem pensar que é poeta,/ Escrever sentimento, /
Ingênuo... Momentâneo.../ Passageiro..."
A
breve reflexão sobre a natureza do fazer poético á apenas um abrir de
parênteses no corpo deste livro. Logo se reinstala o vigor de um Eros indomado,
exigindo reconhecimento. O repertório textual de Atos em Arte é regido
pela volúpia dos sentidos e dominado pelo vigor dionisíaco dos apelos mais
íntimos e inadiáveis.
A
autora intensifica, neste livro, a feição iterativa de suas composições consagratórias
do encontro amoroso. Os "atos em arte" do título geral cabem de vários
modos no registro semântico. Aos atos artísticos, aos atos do drama ou da
comédia, às ações cometidas sob a égide da técnica, correspondem, também, os
atos de amor cantados ou contados em textos literários.
Que se debruce agora o leitor sobre a poesia
que lhe é oferecida pela autora, Regina Lyra, responsável por estas declarações
de vida e vigor, extraídas de uma existência cumprida à luz do sol, cultivada
em húmus, hormônio, humor e também na humildade das entregas consentidas, dos
gestos não desperdiçados, embora gratuitos, e das diárias doações bem
recebidas.
Compete
a ele, cúmplice ou carrasco, anjo custódio ou anjo vingador, o destino
intransferível do comungante ou do trânsfuga, sendo o juiz que é, no silêncio e
na solidão dos seus domínios.
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Reynaldo Valinho Alvarez: Escritor e
poeta, autor de A faca pelo fio, Lavradio, entre outros livros.
(Prefácio:
Atos em Arte. São Paulo: Ed. Scortecci, 2006.)
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