Confúcio
Galvez lembrava um galo: penas coloridas e esvoaçantes, bico afiado, esporões
de aço, andar de príncipe britânico, voz de cantor de ópera. No entanto, não
pensava em homem, não bicava ninguém, não esporava nem o vento, não morava em
castelo e mal sabia “Touradas em Madri”. Arriscava umas frases: “Eu fui às
touradas em Madri e quase não volto mais aqui”. Desafinava; riam dele. E
cresceu assim, com ares de ave e chão de estrelas. Sempre de bico aberto:
“Minha vida era um palco iluminado”. Andava pelo morro, subia e descia
ladeiras, de olho nas cabrochas com latas d’água na cabeça, “Sobe o morro e não
se cansa, lá vai Maria”. Experimentou rabiscar letras e rimas. As melodias,
noites mel dormidas. Talvez doces, quem sabe azedas. Também sambou,
desengonçado feito mamulengo. Viajou a Recife e encontrou o povo a pular nas
ruas. Diante do frevo, extasiou-se: queixo caído, vestimenta de lorde, pés em
transe. As meninas pareciam franguinhas ao sol do meio-dia. Misturou-se aos dançantes
e se abrigou à sombra do homem da meia-noite e dos mil e um bonecos de pano. Entre
passos e pulos, terminou grudado a certa pintassilga. Passado o carnaval, buscou
outras mulatas, cavalgou mulas sem cabeça pelos sertões de Minas, perdeu-se em
labirintos, maravilhou-se à frente da dança frenética dos bilros do Ceará e se fatigou
de tanto vadiar. Então se casou com Camilinha Petres. E tiveram muitos filhos.
E assim
se encerra esta história colorida. Porém, se inicia outra. A tragédia. Pois o
tal Confúcio Galvez resolveu mudar de vida, ao se sentir relegado aos cantos da
própria casa. Por todos os lados, televisões, computadores, celulares, viagens
de Camilinha (tornada Camilona e gorda). Confúcio procurou as penas coloridas e
nada encontrou, a não ser uma peruca dourada. E foi embora pra Pasárgada. Tempos
depois, aborrecido de sonhar, voltou às ruas da infância e da juventude.
Em
outro fevereiro, se enfeitou de urubu e conheceu Dalva de Oliveira, senhora
alegre, mas nem tanto. E lhe contou num
dia o equivalente a cem anos de solidão. Casara-se com fulano, blablablá;
passara a infância na serra da Meruoca, blebleblé; nascera filha, bliblibli; o
fulano vivia com sicranas e beltranas, bloblobló; beberam umas cervejas,
blublublu. O bicho velho se recordou, então, dos tempos de terreiro cheio de
galinhas e franguinhas e quis ser galo de novo. No dia seguinte, reparou bem a
filha de Dalva, grávida de alguns meses. Conversaram e cantaram durante noventa
dias e noventa noites, até nascer linda menina. E, alguns anos depois (para encurtar
o blablebli), ocorreu o capítulo trágico da vida de Confúcio. Blo-blu.
Fortaleza,
4 de fevereiro de 2014.
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