Na cozinha de toda casa mora um demônio terrível. Invisível, como todo
demônio que se preze, sua proeza é das mais assustadoras: ele faz aparecer
copos sujos no balcão da pia.
Ele age sorrateiro, sem fazer barulho. Quando você suspira aliviado por
ter, finalmente, acabado de lavar toda a louça, eis que aparece no canto do
balcão dois copos que você jura que não estavam ali havia dois segundos.
Conformado, você esquece a dor nas costas e volta à lide com água e sabão,
adiando o prazer do corpo jogado no sofá com os olhos perdidos naquela novela
de que você nem sabe o nome.
Mais cedo ou mais
tarde, você vai se cansar da pasmaceira televisiva e vai ver se tem algo de
interessante na geladeira. Daí você olha para o balcão e está lá, acintoso, um
copo sujo de qualquer coisa. Foi o demônio, você tem certeza, foi o demônio dos
copos que botou ele lá.
Confesso que sou muito
propenso a ficar assombrado com certas coisas que acontecem na minha casa.
Passado o arrepio inicial, entretanto, a racionalidade me obriga a descobrir a
causa da assombração e minha respiração volta ao normal. Mas até hoje não
encontrei explicação para o fenômeno dos copos misteriosos.
A pior coisa que pode
acontecer a um lavador de louças é se encontrar sozinho em casa. Porque
você tem certeza de que não tem mais ninguém para sujar os copos, sabe
exatamente a quantidade que usou durante o dia. Aí, quando você se dá por feliz
pelas poucas peças que teve que lavar e enxaguar, eis que aparece, no canto
mais distante do balcão, um copo sujo, saído do nada. É o momento supremo das
artes do diabo, sem nada mais importante para fazer.
E, somando-se ao medo que eriça a espinha, você fica com raiva de saber
que, escondido em algum canto da cozinha, o diabo dos copos está rindo de
você.
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