(a essência do amor e outras percepções)
Após
presentear-nos com Tempo de Encanto (Ed. Universitária - PB, 2004) –
obra lançada, com sucesso, em várias partes do Brasil – a poeta Regina Lyra chega agora com o seu 5º
livro: Atos em Arte. E foi com desvelo pleno e natural frisson que
lancei meu olhar sobre este belíssimo compêndio desta operária das palavras,
esta afável artífice do verso, que sabe tão bem extrair da alquimia multiforme
dos momentos a quinta-essência para o invólucro dos seus pensamentos.
Eu, que conheço Regina desde o século passado e já li quase tudo que esta escritora publicou, posso afirmar – com toda certeza – que ela não é apenas uma mulher sonhadora, sensível e romântica, que simplesmente busca traduzir, em textos, o que sente. Não é uma mera poetisa ou uma versejadora. Em toda sua intensa travessia, tem mostrado claramente que é, sim, uma autêntica mulher-poeta que sabe de cor as curvas e contracurvas das sendas crepitantes da emoção, pois traz, permanentemente estigmatizada no âmago, a marca do estro original. Traz a vocação com nobreza e a grã magia das messes idílicas num ritmo melódico-fascinante que impregna de leveza as faces do seu peculiar modus scribendi.
Assim,
ela impressiona pelo poder intertextual de criação e de síntese, valorização do
fonema, vibração harmoniosa do verbo e vigor substantival. Perseguindo o
inusitado e fugindo do convencional, a autora – ora lírica, meiga, afetuosa, ora
irreverente ou introspectiva – vai registrando, com originalidade e primorosa
fidelidade à artesania poética, temas que se amalgamam com as sensações mais
recônditas (aquelas que repousam latentes nas fronteiras do íntimo),
propiciando aos seus leitores o místico sinete para uma fascinante viagem pelas
sacrossantas plagas incognoscíveis da beleza.
Nesta sua presente obra, a poetíssima Regina Lyra
utiliza-se de sua imperecível sensibilidade para conceber, com requintes de
doçura e ardente feminilidade, um mundo todo particular, marchetado de brilho,
encanto, sensualidade e romantismo, onde a tessitura inconsútil e voluptuosa da
despojada ave-palavra alça-se admiravelmente em infinitos voos estelares,
aspirando à eternidade.
Através da sua versátil capacidade criativa, embalada nas fibras texturais do lirismo, a irrequieta escritora – resgatando o sabor buliçoso das evocações e as vivências ternas arrastadas pelas correntezas inelutáveis do tempo – mostra-nos, em Atos em Arte, uma escrita lúcida, atraente, deleitante, racional e fecunda, predominantemente tematizada pela chama-feérica-do-amor que lha sublima o ventre e habita seus poros, numa íntegra ação de confiança, numa entrega sã de cumplicidade, numa integração isomórfica e absoluta: “... Creio no amor, lado a lado... / Nas festas, na casa, no aconchego, / No abraço, no beijo, no desejo... / Enfim, Amor, creio em ti!” – Amor (pág. 56).
Este assunto é
realçado com propriedade em grande parte da obra e – como podemos constatar –
procura (e acha) o seu cais fértil já no primeiro poema (Sentido Incompreendido – pág. 08): “... Atos , / Provocam dores, / Vazias! / Encontro frio, / Desajuste
climático dentro dos Eu’s... / Arte provoca desafio. / No contexto imaginário,
/ mente insana! / Em terra semeada / Amor atraca! / Nasce a flor do deserto...”.
O importante
tema ganha contornos especiais em várias outras composições do livro. Como, por
exemplo, nos poemas: “Chamado”
(pág. 11), “Amore” (pág. 14), “Dimensão do Amor” (pág. 19), “Fraude” (pág. 22), “O que Faço” (pág. 59), “Passeios” (pág. 62), “Noites Incríveis” (pág. 65), “Enamorados” (pág. 66), “União” (pág. 67), “Amanhecer Contigo” (pág. 68), e “Parelha” (pág. 74). Tudo, de um ou
outro modo, convergindo para aquela citação de James Baldwin: “Não é comum morrer
de amor, mas neste momento, em todas as partes do mundo, milhões morrem por
falta dele”. E se – como ensinou Dante –
o sol e as outras estrelas são movidos pelo amor (“amor che move il sole e
l’altre stelle”), ele também exorta de Regina a inspiração: “As
palavras faltam, / Os versos seguem soltos. / Fazer o que faço, / Com gosto,
sem embaraço. / Um abraço / Sentir o corpo / Em um toque inocente, malicioso...
/ Dom precioso.” – (Palavras – pág. 63).
Além dos poemas
insculpidos em harmonia com a ternura, a sensualidade e o amor, Regina celebra
também – com Atos em Arte – a natural liberdade: “... Se o sol queimar a pele, / Bronzear rosto, / Chama! / Clama! / –
Não disfarça!” (Disfarce
- pág. 13); a inevitável saudade: “Neste mundo em que se vive, / Vejo, no
tempo passado, seu rosto.” (Síndrome
da saudade – pág. 51); a felicidade: “... Permita que as lágrimas rolem de felicidade, / Completo êxtase...”
(Permissão – pág. 17);
o sonho: “Melhor da realidade é
o sonho...” (Para os sonhadores
– pág.21); o encantamento: “... Seu tocar, / Faz a música penetrar! / É dádiva! ...” (Sentidos – pág. 46);
introspecção e prudência: “Não
sei o que se passa. / Aprendi que a paciência é a sabedoria dos que têm
estória...” (Passagem – pág. 33);
o encontro: “... Mundo pode
parecer pequeno. / Todavia é grande! / Mesmo assim, / Pegamos mesma via de
acesso ...” (Pequeno grande
mundo – pág. 78); o desencontro: “A voz... Não pudera ser ouvida. / Som de cachoeira, água caindo... /
Derrame de lágrimas... / Susto terrível! ... ” (Cascata
de Lágrimas – pág. 47); a tristeza: “... Silêncio instala! / Sozinha, chora cansada...” (Dias em vão – pág. 26);
e outras transcendentes percepções: “... Pensamentos esvaecidos, / Silêncio sepulcral. / ... Todas as cores
cobertas de negro. / Todas as noites que chegam.” (Silêncio sepulcral – pág. 69).
Com seu acendrado
poder de concisão, Regina não se esquece também de revelar a sua indignada
hermenêutica acerca dos pesares e infortúnios existenciais. Isto podemos
constatar em “Desafio” (pág.
34); “Sem sorte” (pág. 36); e em “Destino”
(pág. 37).
Em “Vale” (pág. 27), a
autora faz valer o seu magistral codinome de “Regina, Lyra do Sentimento”, ao
escrever, com veemência: “... Quanto
vale o que cabe na mão? / Se for sentimento, / tem preço não!”.
Vários poemas
inseridos neste Atos em Arte esbanjam uma fortíssima dosagem de efeitos
surreais, espectros polissêmicos que nos impulsionam – num misto de
encantamento e perplexidez – a lê-los repetidas vezes, sempre se descobrindo,
em cada palavra, em cada imagem e em cada verso, a irrefutável virtuosidade da
sua autora (verbi gratia, “Vale Compra” – pág. 12; “Falso” – pág. 39;
“Poesia Terê” – pág. 44;
e “Poema sem rumo” – pág.
50).
A poesia
reginiana é um fecundo estuário onde se encontram águas puras e diversas,
correntezas lustrais de plectros que fazem com que o leitor, fascinado com este
vívido panorama, possa mergulhar, em êxtase, neste caudal cristalino de bonança
e de fulgor.
Sintetizando,
temos em Atos em Arte uma
produção consciente e poliédrica, dotada de impressionante sensorialidade, que
vai desde uma linguagem essencialmente poética livre, metaforizada, simbólica;
passando por poemas breves, de fôlego inteiriço (alguns com menos de vinte
palavras); outros com estrofes levemente rimadas (rimas fortuitas); um
minucioso poema autobiográfico (Perfil
– pág. 79) e, finalmente, um ensaio especial
sobre a autora (pág. 83).
Em todo o
conjunto temos literatura de primeiríssima qualidade, uma substantificação de
arte expressa em sua acepção mais ampla, sublimando e corporificando as
profusas perspectivas imaginárias do signo linguístico, unindo autora e
leitores a efeitos atemporais da supra-realidade, exercitando-e-excitando o
universo sensitivo de cada um e fazendo-nos compreender a verdadeira força de
uma poesia viva, poesia vivida, poesia-vida! Assim é a poesia de Regina Lyra.
Poesia simples como um som de flauta doce que nos chega, de mansinho, pelas
frestas da alma; e forte como a efígie de um parto que nos contempla e se aloja
muito além de nossas retinas.
Em “O Som das Palavras” (pág. 72),
Regina afirma: “... Muitas vezes,
necessita-se ouvir a voz do silêncio, / O conselho do espírito, / O grito da
consciência. / Nada como trafegar em um mundo poético, / Imaginário (...) /
Nada como a poesia, / Alimento do espírito”. Realmente, Regina Lyra sabe o que diz; diz o
que faz. E faz porque sabe!
É ler para
crer!
Campo Grande, 10 de fevereiro de 2006.
*Rubenio Marcelo: Poeta com vários livros publicados. Secretário-Geral da Academia
Sul-Mato-Grossense de Letras.
(Apresentação:
Atos em Arte. São Paulo: Ed.
Scortecci, 2006)
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