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quarta-feira, 16 de abril de 2014

Arte e atos poéticos de Regina Lyra (Rubenio Marcelo*)



(a essência do amor e outras percepções)



Após presentear-nos com Tempo de Encanto (Ed. Universitária - PB, 2004) – obra lançada, com sucesso, em várias partes do Brasil – a poeta Regina Lyra chega agora com o seu 5º livro: Atos em Arte.  E foi com desvelo pleno e natural frisson que lancei meu olhar sobre este belíssimo compêndio desta operária das palavras, esta afável artífice do verso, que sabe tão bem extrair da alquimia multiforme dos momentos a quinta-essência para o invólucro dos seus pensamentos.

Eu, que conheço Regina desde o século passado e já li quase tudo que esta escritora publicou, posso afirmar – com toda certeza – que ela não é apenas uma mulher sonhadora, sensível e romântica, que simplesmente busca traduzir, em textos, o que sente. Não é uma mera poetisa ou uma versejadora.  Em toda sua intensa travessia, tem mostrado claramente que é, sim, uma autêntica mulher-poeta que sabe de cor as curvas e contracurvas das sendas crepitantes da emoção, pois traz, permanentemente estigmatizada no âmago, a marca do estro original. Traz a vocação com nobreza e a grã magia das messes idílicas num ritmo melódico-fascinante que impregna de leveza as faces do seu peculiar modus scribendi.
Assim, ela impressiona pelo poder intertextual de criação e de síntese, valorização do fonema, vibração harmoniosa do verbo e vigor substantival. Perseguindo o inusitado e fugindo do convencional, a autora – ora lírica, meiga, afetuosa, ora irreverente ou introspectiva – vai registrando, com originalidade e primorosa fidelidade à artesania poética, temas que se amalgamam com as sensações mais recônditas (aquelas que repousam latentes nas fronteiras do íntimo), propiciando aos seus leitores o místico sinete para uma fascinante viagem pelas sacrossantas plagas incognoscíveis da beleza.
Nesta sua presente obra, a poetíssima Regina Lyra utiliza-se de sua imperecível sensibilidade para conceber, com requintes de doçura e ardente feminilidade, um mundo todo particular, marchetado de brilho, encanto, sensualidade e romantismo, onde a tessitura inconsútil e voluptuosa da despojada ave-palavra alça-se admiravelmente em infinitos voos estelares, aspirando à eternidade. 
Através da sua versátil capacidade criativa, embalada nas fibras texturais do lirismo, a irrequieta escritora – resgatando o sabor buliçoso das evocações e as vivências ternas arrastadas pelas correntezas inelutáveis do tempo – mostra-nos, em Atos em Arte, uma escrita lúcida, atraente, deleitante, racional e fecunda, predominantemente tematizada pela chama-feérica-do-amor que lha sublima o ventre e habita seus poros, numa íntegra ação de confiança, numa entrega sã de cumplicidade, numa integração isomórfica e absoluta: “... Creio no amor, lado a lado... / Nas festas, na casa, no aconchego, / No abraço, no beijo, no desejo...  / Enfim, Amor, creio em ti!”  Amor (pág. 56).
Este assunto é realçado com propriedade em grande parte da obra e – como podemos constatar – procura (e acha) o seu cais fértil já no primeiro poema (Sentido Incompreendido  pág. 08): “... Atos , / Provocam dores, / Vazias! / Encontro frio, / Desajuste climático dentro dos Eu’s... / Arte provoca desafio. / No contexto imaginário, / mente insana! / Em terra semeada / Amor atraca! / Nasce a flor do deserto...”.
O importante tema ganha contornos especiais em várias outras composições do livro. Como, por exemplo, nos poemas: “Chamado” (pág. 11), “Amore” (pág. 14), “Dimensão do Amor” (pág. 19), “Fraude” (pág. 22), “O que Faço” (pág. 59), “Passeios” (pág. 62), “Noites Incríveis” (pág. 65), “Enamorados” (pág. 66), “União” (pág. 67), “Amanhecer Contigo” (pág. 68), e “Parelha” (pág. 74). Tudo, de um ou outro modo, convergindo para aquela citação de James Baldwin: “Não é comum morrer de amor, mas neste momento, em todas as partes do mundo, milhões morrem por falta dele”.  E se – como ensinou Dante – o sol e as outras estrelas são movidos pelo amor (“amor che move il sole e l’altre stelle”), ele também exorta de Regina a inspiração: As palavras faltam, / Os versos seguem soltos. / Fazer o que faço, / Com gosto, sem embaraço. / Um abraço / Sentir o corpo / Em um toque inocente, malicioso... / Dom precioso.” – (Palavras  pág. 63).
Além dos poemas insculpidos em harmonia com a ternura, a sensualidade e o amor, Regina celebra também – com Atos em Arte – a natural liberdade: “... Se o sol queimar a pele, / Bronzear rosto, / Chama! / Clama! / – Não disfarça!” (Disfarce - pág. 13);  a inevitável saudade: “Neste mundo em que se vive, / Vejo, no tempo passado, seu rosto.” (Síndrome da saudade pág. 51);  a felicidade: “... Permita que as lágrimas rolem de felicidade, / Completo êxtase...” (Permissão pág. 17);  o sonho: “Melhor da realidade é o sonho...” (Para os sonhadores pág.21);  o encantamento: “... Seu tocar, / Faz a música penetrar! / É dádiva! ...” (Sentidos pág. 46);  introspecção e prudência: “Não sei o que se passa. / Aprendi que a paciência é a sabedoria dos que têm estória...” (Passagem pág. 33);  o encontro: “... Mundo pode parecer pequeno. / Todavia é grande! / Mesmo assim, / Pegamos mesma via de acesso ...” (Pequeno grande mundo pág. 78);  o desencontro: “A voz... Não pudera ser ouvida. / Som de cachoeira, água caindo... / Derrame de lágrimas... / Susto terrível! ... ”  (Cascata de Lágrimas pág. 47);  a tristeza: “... Silêncio instala! / Sozinha, chora cansada...” (Dias em vão pág. 26);  e outras transcendentes percepções: “... Pensamentos esvaecidos, / Silêncio sepulcral. / ... Todas as cores cobertas de negro. / Todas as noites que chegam.” (Silêncio sepulcral pág. 69).
Com seu acendrado poder de concisão, Regina não se esquece também de revelar a sua indignada hermenêutica acerca dos pesares e infortúnios existenciais. Isto podemos constatar em “Desafio” (pág. 34); “Sem sorte” (pág. 36); e em “Destino” (pág. 37).
Em “Vale” (pág. 27), a autora faz valer o seu magistral codinome de “Regina, Lyra do Sentimento”, ao escrever, com veemência: “... Quanto vale o que cabe na mão? / Se for sentimento, / tem preço não!”.
Vários poemas inseridos neste Atos em Arte esbanjam uma fortíssima dosagem de efeitos surreais, espectros polissêmicos que nos impulsionam – num misto de encantamento e perplexidez – a lê-los repetidas vezes, sempre se descobrindo, em cada palavra, em cada imagem e em cada verso, a irrefutável virtuosidade da sua autora (verbi gratia, “Vale Compra” – pág. 12; “Falso” pág. 39;  Poesia Terê” pág. 44;  e  Poema sem rumo” pág. 50).
A poesia reginiana é um fecundo estuário onde se encontram águas puras e diversas, correntezas lustrais de plectros que fazem com que o leitor, fascinado com este vívido panorama, possa mergulhar, em êxtase, neste caudal cristalino de bonança e de fulgor.
Sintetizando, temos em Atos em Arte uma produção consciente e poliédrica, dotada de impressionante sensorialidade, que vai desde uma linguagem essencialmente poética livre, metaforizada, simbólica; passando por poemas breves, de fôlego inteiriço (alguns com menos de vinte palavras); outros com estrofes levemente rimadas (rimas fortuitas); um minucioso poema autobiográfico (Perfil  pág. 79) e, finalmente, um ensaio especial sobre a autora (pág. 83).
Em todo o conjunto temos literatura de primeiríssima qualidade, uma substantificação de arte expressa em sua acepção mais ampla, sublimando e corporificando as profusas perspectivas imaginárias do signo linguístico, unindo autora e leitores a efeitos atemporais da supra-realidade, exercitando-e-excitando o universo sensitivo de cada um e fazendo-nos compreender a verdadeira força de uma poesia viva, poesia vivida, poesia-vida! Assim é a poesia de Regina Lyra. Poesia simples como um som de flauta doce que nos chega, de mansinho, pelas frestas da alma; e forte como a efígie de um parto que nos contempla e se aloja muito além de nossas retinas. 
Em “O Som das Palavras” (pág. 72), Regina afirma: “... Muitas vezes, necessita-se ouvir a voz do silêncio, / O conselho do espírito, / O grito da consciência. / Nada como trafegar em um mundo poético, / Imaginário (...) / Nada como a poesia, / Alimento do espírito”.  Realmente, Regina Lyra sabe o que diz; diz o que faz. E faz porque sabe!
É ler para crer!       

Campo Grande, 10 de fevereiro de 2006.

*Rubenio Marcelo: Poeta com vários livros publicados. Secretário-Geral da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.
    

(Apresentação: Atos em Arte. São Paulo: Ed. Scortecci, 2006)

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