Proust, sempre arguto e perspicaz, observa que a
arte, como valor espiritual, opõe-se ao utilitarismo da política, que se
empenha em tirar vantagens de tudo. E, ao fazê-lo, nos ensina que um livro
nunca pode nos contar aquilo que desejamos saber, mas tão-somente despertar em
nós o desejo de saber.
Em carta a um amigo, confessa o seu sofrimento
ao ver que o seu personagem Charles Swann tornava-se menos simpático e mesmo
ridículo a medida que a obra se consolidava, para reconhecer, de imediato, que
a arte mesma é um perpétuo sacrifício do sentimento à verdade. Creio que esta
visão proustiana define um artista genuíno daquele que não o é.
Sabe-se que os esboços de Proust não têm relevo.
Era reescrevendo várias vezes as mesmas passagens que ele, como um pintor dos
tempos antigos, acrescentava à secura das anotações iniciais, em sucessivas
camadas, o aveludado e a transparência do estilo pelo que se fez reconhecido e
admirado.
Em Busca do Tempo Perdido é, assim, uma espécie
de palimpsesto, o que o inclui numa tradição. Em primeiro lugar, observo que há
essa tendência, da parte de todo artista, de se apropriar das coisas que
despertam sua emoção. Excetuando-se o aspecto materialista do roubo, ou seja,
algo que resulta do desejo de nos apropriarmos de um belo objeto do qual, por
uma série de contingências, fomos privados de sua posse.
O palimpsesto insere-se numa tradição. Desde que
o homem inventou a escrita ele reinventa e reescreve uma história que pode ser
a sua própria ou de outros. Esse processo, traduzido em termos estritamente
literários, justifica a existência dos palimpsestos e a necessidade, inerente
ao homem, de ultrapassar limites, em sua ânsia permanente de negação da morte.
Swendenborg, um dos mestres secretos de Borges,
disse-nos que uma das três formas de salvação resultaria da criação de uma obra
de arte. Ideia que terá levado Proust a afirmar que a imortalidade é possível,
sim, mas agora e através da criação de uma obra.
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