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sábado, 14 de janeiro de 2006

Apocalipse (Nilto Maciel)


Nós presenciamos sua mansa e serena morte, causa desta nossa imensurável tristeza. E mais melancólicos nos fizemos quando cavamos a sepultura e nela o depositamos. Ele está aqui, bem debaixo desta cruz de madeira, morto. Por acaso necessitamos da mentira para falar e continuar a viver? Por acaso não temos olhos de ver e ouvidos de ouvir? Evidentemente as entranhas da mãe-terra o engoliram, tementes de outras tantas vilanias. Pois atendemos ao seu pedido: “enterrem meu cadáver no mais profundo do chão, de forma a tornar impossível a exumação, quer para violentarem-no, quer para mumificarem-no, pois morro para não mais conviver com os meus inimigos.” Reunimo-nos todos, chorosos ainda, e, com ferramentas e forças, cavamos o mais fundo dos fossos e nele depusemos seu corpo.

Floriano Martins: Poesia da paisagem (Nilto Maciel)


Não, o poeta não seria o pintor sem pincel. Assim também o pintor não poderia ser revelado como sendo o poeta sem a palavra. Tudo isso não passa de jogo de palavras, de tentativas falhas de definir as posições assumidas pelo artista. Porque o universo não é somente paisagem, realidade visível. Quantas dimensões existem?

Nenhuma Correnteza Inaugura Minha Sede é poesia de paisagem, nunca pintura de paisagem. Floriano Martins não pinta, não porque lhe falte pincel, mas porque olha o mundo, olha o olhar, olha para fora, para dentro e para aquele espaço que nenhuma máquina conseguiria ver. Revela sua própria loucura, aquela que põe diante do mesmo telescópio a criança, o primitivo e o mágico. A loucura de olhar e ver um gato mastigando, irônico, a minguante face da Lua. Em “Fuga” o corolário de toda a sua poesia: “Toda paisagem é fuga / delírio da razão”.