Translate

quarta-feira, 12 de julho de 2006

Mon amour (Nilto Maciel)


A história não tivera começo. Ele não se lembrava de onde viera nem como conhecera aquela mulher. Não se lembrava de nada anterior àquele momento: sentado na cadeira, mãos sobre a mesa, de frente para a mulher.

O garçom servia, retirava-se, voltava, e eles a conversar. Ela queria saber o nome dele. Perguntava, insistia. Ele não se lembrava de ter tido um nome algum dia. Talvez tivesse apenas apelido. Bebia um gole de champanhe, sorria. Não via importância nenhuma no seu nome. Tanto fazia ser José ou Abraham. Ela, porém, não desistia. Não gostava de conversar com pessoa sem lhe saber o nome.

domingo, 9 de julho de 2006

Do Ceará, um Borges (Francisco Miguel de Moura)



 
Até hoje permanece o mistério: Por que o homem gosta de histórias? O homem da caverna, para espantar a solidão, o frio, o medo, inventava e contava. Ainda não sabia escrevê-las. O homem moderno escreve-as para leitura, na solidão – para espantar a solidão. Mudou a maneira de conceber histórias, de contá-las. Contos de fada, histórias da carochinha, contos fantásticos, maravilhosos, histórias de trancoso – estas lembrando Gonçalo Fernandes Trancoso, o português que apanhou muitas na tradição e adaptou-as para “proveito e exemplo”. Mas o conto moderno às vezes nem tem história, é um momento tenso da vida, da alma, geralmente de um personagem só. Um mestre mundial foi o francês Maupassant, outro foi o russo Tchekhov, também inovadora seria a inglesa Mansfield. A essa tríade se juntaria Machado de Assis, glória do conto mundial. Mas não tivemos tantos nos primórdios. Eles eram essencialmente romancistas. A partir do modernismo fomos aparecendo. Mas a safra maior de contistas viria nos anos 60 e principalmente 70. Um da década de 70 é cearense, quase não freqüentou a prateleira das livrarias, nem as colunas dos jornais. Porém seu trabalho vem constante, forte, árduo, em silêncio. Trata-se de Nilto Maciel, seu primeiro livro, Itinerário, como ele próprio diz, teve a primeira edição em Fortaleza, em 1974. Uma edição acanhada, de 200 exemplares. Pode? Pode. Na província tudo é possível. O pai do nosso romance não é de lá? Alencar foi um monstro, grande demais para sua época. "A crítica não tomou conhecimento do livrinho", adverte Nilto Maciel, na primeira página da 2a. edição, agora lançada pela Scortecci, 1990, São Paulo. E mais: "Dois ou três leitores amigos me puxaram as orelhas. A situação social e política do Brasil merecia literatura mais engajada”, disseram. “Não concordei com a opinião dos amigos e não mudei de estilo. Mudei, sim, muito depois, a linguagem daqueles contos."