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segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

A rosa gótica (Donaldo Schüller)


Houve um momento em que o romance quis competir com a ciência. Passou a documentar. A linguagem fez-se austera. Os romancistas tiveram o cuidado de aproximar-se cautelosamente das coisas. A vertigem cientificista não durou muito. Os próprios cientistas começaram a duvidar da perenidade de seus achados. Os periódicos documentavam melhor que o romance. E o faziam vertiginosamente. O romance se deu conta de seu parentesco com a poesia. Vieram Proust, Joyce, Guimarães Rosa... onde está a diferença entre romance e poesia? A Rosa Gótica é um romance ou é um romance sobre o romance? É ambas as coisas. É uma aventura de linguagens sobrepostas que nos levam para a inquietante ebulição da Idade Média. A ação nos arrasta a uma sarabanda de textos e de idéias a que não podemos ficar indiferentes porque é a nossa própria história, individual e coletiva, que está em jogo.

(Orelha de A Rosa Gótica, Fundação Catarinense de Cultura, Florianópolis, SC, 1997)
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sábado, 13 de janeiro de 2007

Ode à tarde (Nilto Maciel)



Um passarinho cansou de voar e pousou num galho. Cantou uma ode à tarde e tencionou alimentar-se. Voou ao chão e defrontou uma serpente. O guizo dela agitou-se.

— Por que me olhas assim, cascavel?

O pássaro deu um saltinho para trás. Melhor não esperar resposta. Saltitou, deu pequenos voos ao redor do ofídio.

— Tu me odeias porque não sabes voar, não é? Ora, se voasses, o que seria dos pequenos seres como eu? Contenta-te com rastejar.

Cantou trecho da ode à tarde e riu.

— Também me odeias porque não sabes cantar? Eu canto porque não conheço o ódio.

Calada, a serpente mirava o passarinho. E o seduzia com os olhos. Falando e cantando, a avezinha também mirava a cobra.

E deu-se o bote.
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