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sexta-feira, 25 de abril de 2008

Poemas de Eunice Arruda
















ENGANOS
Uma luz me aproximo é escuridão
Brilha agora em ouro o que ontem foi pó e não

O POEMA
Ouço seu som bater de asas inseto aflito
Mas ele me recusa
não se deixa ser
por mim escrito
Um dia leio este poema de outro poeta

UMA SUGESTÃO
Quem sabe indo a
Minas
Lembra
Há um céu farto de nuvens
na estrada levando a Minas
Um sonho se abrindo branco
algodão ao sol de Minas
Quem sabe indo aMinas
Lembra
Há o embalo dos berços nas viagens

CONSEQUÊNCIA
Em silêncio vimos o sofrimento
rio escuro
se alastrando
alagando a casa
Em silêncio respiramos
sob escombros
o peso
forçando os ombros
Metade do que éramos viveu

OBSERVANDO
Há uma hora
em que tudo
apodrece
Em que tudo recua e
respira com esforço
o rosto no muro
E os anjos
hesitam entre a
espada e a nuvem

CLANDESTINIDADE
Vivi na clandestinidade anos
No escuro nos bares na periferia
anos a fio
escondida
envolvida
em fumaças teorias
Na paixão. Na clandestinidade
Até que um dia me entregaram
à vida

OLHANDO
Não é o sim
não é o não
nem o talvez
A lua anda alta no céu
Fonte: http://orebate-selmovasconcellos.blogspot.com/

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quinta-feira, 24 de abril de 2008

Pietá (Viegas Fernandes da Costa)




N’“O Carteiro e o Poeta”, de Michael Radford, faz-se verso o som do vento nos rochedos, “as tristes redes do meu pai”. Em “Powaqqatsi”, Godfrey Reggio nos mostra a Pietá de carne e lama escalando a mina, a cabeça rachada pela pedra. A vida corre assim, entre bestas e amantes, como entender? A mão que planta a terra verga a planta, ceifa o caule, suga o sumo: há uma bandeira no alto do Himalaia, tremula onde ninguém vê, por agora; amanhã tremula um farrapo. Ouço, no entanto, os sinos na torre, os gritos da feira, os uivos dos cães. 10.02.1960 – 23.03.2008: está resumida uma vida, e o rosto na fotografia me sorri a sentença de que fujo. Gravo a eternidade em papel, em placas de bronze, em suportes digitais, e descanso para reler a fábula de La Fontaine: a cigarra, as formigas, e a promessa da fome no inverno; com que direito traumatizam crianças com La Fontaine? Hás de ser formiga, e assim não passas fome! Mentira, porque a função da formiga é dar de comer à rainha, e morrer! Mas esta noite não é cáustica não: retorno a velha poltrona que reinava no sótão do meu avô, às mãos o livro de Lobato e sua Emília. Como seria uma vida de sítio? – matutava. Trepar em árvores, banhos de rio, um Barnabé habitando as margens. O doce torpor de rememorar as noites de livros no sótão do meu avô, o adulto que não chegava em mim. Era o tempo em que ainda havia pés dispostos a correr, a chutar uma bola, a embrenhar-se nos matos da vizinhança. Hoje não há mais pés, tampouco há muita mão, desta resta muito pouco: uma sombra de dedos, uma palma sem alma. Suspiro! O medo de ser abandonado criança à porta da escola, no morrer da tarde: tic tac tic tac tuntum tuntum, e de repente a figura do pai que despontava na curva, o sorriso no rosto. Assim faz-se verso o tempo no sótão, o passeio entre os mortos, as lápides, os epitáfios. Faz-se verso o medo dos tantos trovões que preenchiam os verões e suas tempestades nas férias escolares. E isto que agora se faz verso, era então emoção e idílio. Mas cresceram-me os olhos, e por isso sei da Pietá de carne e lama, sei também de outras Pietás: as de carne e chama, as de fome e ossos, as de pedra vulgar. Sei das Pietás que se arrastam nas sarjetas e pedem esmolas, das Pietás que preenchem de buracos seus peitos tão parcos, e de tantas Pietás que o cinzel e o formão não cansam de compor. Mas no mosteiro persistem as rezas, e nos terreiros e nas capelas. Melhor assim. Ao fim estamos todos parindo um grande poema, um grande e único poema que dirá do vento nos rochedos, do eclipse lunar. É só o que nos resta.

Blumenau, 20 de abril de 2008.

© Viegas Fernandes da Costa, autor de “Sob a Luz do Farol” (2005) e “De Espantalhos e Pedras Também se Faz um Poema” (2008). Site: http://viegasdacosta.blogspot.com/
Permitida a reprodução desde que citado o autor e o texto mantido na íntegra.
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