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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O grito de Pasolini (Manuel Soares Bulcão Neto)


Com o advento da pecuária, e no processo de triagem dos animais que hoje constituem os nossos gados (caprino, ovino, bovino…), os homens sacrificavam os ariscos e mantinham os mansos e gregários. Konrad Lorenz, fundador da etologia, ao estudar este procedimento, constatou que as reses desta forma selecionadas conservavam, na idade adulta, muitos caracteres infantis, tanto fisionômicos (olhos grandes, crânio bulboso, maxilar mais retraído…) como afetivos e comportamentais. Ora – pensou o cientista –, na natureza, os filhotes de mamíferos são, em geral, mais dóceis, sociais e obedientes a comandos externos que os espécimes maduros. Até as crias de animais de hábitos solitários, como o jaguar, são sociais, visto que dependem da genitora e dos seus irmãos de ninhada. Concluiu, então, que o infantilismo genético-constitucional – i.e., decorrente de mutações nos genes reguladores do desenvolvimento que começa na fecundação – foi o critério utilizado pelos pecuaristas neolíticos. Em miúdos: o processo de domesticação se deu por meio da infantilização. Este fenômeno biológico, Lorenz denominou "neotenia".

O etólogo, entretanto, foi mais longe: sustentou que a neotenia também se dá de modo espontâneo, por seleção natural, consistindo numa das vias filogenéticas de socialização dos vertebrados. A propósito, são espécies altamente infantilizadas e gregárias: o cão selvagem, o macaco de Gibraltar (em tudo parecido com um babuíno jovem) e o bonobo (chimpanzé-anão).

E quanto a nós, Homo sapiens, o mais social dos animais, bicho "domesticado" pela cultura? Decerto que nosso neocórtex é produto de um desenvolvimento acelerado, não de um retardo. Algumas de nossas características, todavia, são claramente neotênicas. Com efeito, um feto desenvolvido de chimpanzé - Pan troglodites - assemelha-se bastante a um homem adulto: corpo pouco peludo, o semblante reto e uma caixa craniana grande relativamente à face. Demais, retemos das crianças o gosto por jogos e brincadeiras, a curiosidade exacerbada (que tantas vezes nos põe em perigo ou em situação de angústia), a capacidade de aprender…

Outra estrutura fenotípica que se manteve subdesenvolvida em nossa espécie é o sistema límbico: sede neuronal das emoções. Sim, é provável que o principal traço infantil que herdamos de nossos ancestrais consista naquele afeto comum a todos os mamíferos jovens: a dependência psíquica na relação com seus genitores, principalmente com a mãe. De fato, somente entre nós e nos bonobos a relação genitora-progênie dura a vida toda. - Nos anais da primatologia, há registros de chimpanzés-anões "adultos" que, não suportando o falecimento da mãe, em pouco tempo adoecem e morrem. (Complexo de Édipo?)

Já os humanos, ao contrário dos bonobos e graças a nossa capacidade ímpar de abstração, podemos preencher o buraco deixado pela morte ou falhas dos pais – estes são tão infantis e desamparados quanto os filhos – por equivalentes simbólicos: Deus-Pai, Mãe de Deus, Pátria-Mãe, a Razão maiúscula, as leis do (mater) ialismo histórico… em suma, qualquer coisa grande que explique nossa origem, aponte nosso destino e nos ajude a discernir o certo do errado.

Por fim, como me disse a psicanalista Maria Helena Cardoso, "a mãe é o maior órgão do corpo humano". Ora, quando a dor física é excruciante, o espírito se identifica cabalmente com a matéria: o corpo e, por conseguinte, com seu órgão mais importante. Foi o que ocorreu, presumo, com o escritor e cineasta Pier Paolo Pasolini no momento do seu assassinato. De acordo com o depoimento de Valdetti, suposta testemunha, enquanto era brutalmente espancado – por um bando neofascista ou garotos de programa – Pasolini, como uma criança órfã ou perdida, apenas gritava: "Mamma! Mamma!…"
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Mais ficção científica com Portal 2001 (Taize Odelli*)

(Extraído de http://rizzenhas.com/)




Para celebrar a ficção científica e, ao mesmo tempo, divulgar novos escritores, foi criado o Projeto Portal. Trata-se de uma revista distribuída gratuitamente entre ávidos leitores amantes do gênero sci-fi dividida em seis volumes semestrais que homenageiam grandes escritores e obras. A última edição organizada por Nelson de Oliveira foi a Portal 2001, referindo-se, claro, a 2001 – Uma Odisséia no Espaço. Entre passado e futuro, monstros e humanos, vemos diversas abordagens da ficção científica que juntas podem compor uma bela viagem pelo espaço.

Os contos que compõem essa edição do Projeto Portal são variados não apenas na abordagem, cenários e personagens, mas também na própria forma com que são escritos. Bom exemplo disso são os textos de Brontops Baruq, que diferem entre eles mesmos. Como uma das melhores partes da revista, Brontops monta dois contos inusitados e, justamente por isso, divertidos. Em Planetas Invisíveis: Diana, fala de um povo que se miniaturiza para resolver os problemas de falta de recursos do lugar onde vivem. Conforme novos conflitos surgem, eles diminuem ainda mais. O outro conto é Rebobinados, um divertido diário de um condenado escolhido para uma viagem intergaláctica, contando a aflição de estar ao lado de um criminoso sexual.

A diferença entre os textos está inclusive na forma com que são escritos. Em Planetas Invisíveis: Diana, Brontops divide pequenos capítulos dentro do conto baseado nas visitas que o personagem/narrador fez ao povo em miniatura. Já em Rebobinados, ele usa frases curtas e numeradas, repetindo-as de forma que montem o texto e nos passe a ironia do personagem preso em uma nave esperando virar a “namoradinha” de seu companheiro de viagem. Ambos os contos terminam com uma dose de sarcasmo que garante sucesso ao texto.

Outro destaque em Portal 2001 é o texto de Daniel Fresnet, Exit, onde explora o orgulho de suas personagens também em uma missão espacial, fechando o conto de forma trágica, porém cômica. Em contrapartida, Rodrigo Novaes de Almeida apresenta textos mais densos, sem parágrafos nem indicação de fala, trabalhando dentro desse espaço diversas personagens. Apesar de curtos, exigem muito do leitor, pois a compreensão do texto está totalmente ligada ao que ele deduziu durante a leitura.

Já Maria Helena Bandeira usa a fórmula curta e leve para falar de novos seres e planetas, com ou sem a participação de humanos. São textos leves e bem escritos, e por isso mesmo poderiam ser mais longos. Com certeza a autora teria ainda mais informações a incluir em suas criativas histórias.

Até aqui, todos os autores trataram do futuro, mas Marcelo L. Bighetti resolveu ambientar sua trama no passado. Voltando à Alemanha da Segunda Guerra Mundial, em Novo Início somos apresentados a Hitler lembrando de momentos de sua vida ligados a experimentos feitos por nazistas. Enquanto narra os flashbacks do líder, o conto nos mostra um grande grupo de casais sendo treinados para uma missão secreta que transporta todos ao passado. Esse é o conto mais estranho do livro, por não haver uma relação direta entre Hitler e a experiência dos nazistas, que levam os casais ao Brasil de 1500. Falta algum elemento para ligar um momento ao outro e dar sentido à história.

O humor pareceu dominar essa edição. Portal 2001 ainda conta com bons textos como Primeiro de Abril – Corpus Christe, de Luiz Brás, ambientado em uma cidade tomada pelas máquinas onde vemos super-herois revividos para combatê-las. Outro destaque é o texto de Fresnot, onde apresenta uma nova teoria que explica a extinção dos dinossauros, tomando como causa a falta de apetite sexual dos animais machos, contando tudo em forma de aula universitária. E também não posso deixar de falar dos textos de Ricardo Delfin, também curtos e que envolvem as mais diversas situações escritas de várias maneiras, como as manchetes de um jornal de Marte em Gazeta Marciana, que narram um dos conflitos do planeta.

Quem adora ficção científica deve conseguir pelo menos uma edição do Projeto Portal. É garantia de bons textos e de grande diversidade de histórias sci-fi. Em Portal 2001, os autores passam claramente a ideia de que a ficção científica pode ser trabalhada das mais diversas formas, e vemos que a maioria delas convencem como história.

• Pequena aprendiz de jornalista que se meteu a fazer resenhas porque estava com vontade de escrever alguma coisa. Além de ler, gosto muito de ficar procurando coisas interessantes na internet. Geralmente encontro no fórum Omega Geek e no Meia Palavra. Também faço resenhas para o Amálgama e o Blog do Meia Palavra, já colaborando com o site Artilharia Cultural e Ambrosia. Penso que, se tivesse talento, viraria cantora, já que amo música e não consigo ficar um dia sem ouvir pelo menos uma. Mas, no fim, literatura é o que mais me atrai.
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