Já
inúmeras vezes, repetia a mesma pergunta para sua esposa. Não havia visto um
conto que deixara sobre a mesa de seu escritório? Era impossível haver algum
canto da casa que não houvesse sido esquadrinhado. Por mais inadequado que
fosse o local, não deixou de procurar. Sabe-se lá o que o entorpecimento
alcoólico é capaz de fazer? Talvez a ânsia de não ser plagiado e a busca
irrefreada pelo reconhecimento o fizeram
esconder em local inacessível, que até ele mesmo não era capaz de conceber tal
esconderijo. Sabia da aversão e indiferença de sua mulher pelos livros,
sobretudo por tudo que fosse ligado a literatura, coisa que ela considerava de
somenos importância ou mero passatempo de desocupados. Aquele conto, entre
outras coisas, seria também capaz de mudar a opinião sempre depreciativa da sua
mulher que por anos perguntava: o que esta tal de literatura te traz de bom?
Por que ela não te ajuda a sair dessa vida de merda que levamos? Por que tu e
teus parceiros perdem horas e horas esvaziando garrafas e falando de um tal de
Kafka, um tal de Dostoi não sei o que, um
tal de Guimarães Rosas e outras criaturas de nomes esquisitos, me diga
pra quê? Dessa vez ela saberia. Até que enfim conseguira o que sempre sonhou.
Recentemente havia escrito o conto que sempre sonhara. Logo estaria fazendo
parte de antologias em todas as livrarias brasileiras e, talvez, em antologias
estrangeiras. Calaria a boca de muitos escritorezinhos que haviam publicado
alguns continhos em alguns jornalecos e se consideravam uns Tchekhov ou, no
mínimo, um Maupassant. Sabia que agora, sem a cegueira da auto-afirmação e sem
os arroubos do narcisismo, havia escrito o conto definitivo de toda sua vida
obscura de contista.