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quinta-feira, 28 de março de 2013

“Esconderijos” (Tânia Du Bois)




Esconder-se? Esconder o que os olhos não veem? O que o coração sente na saudade, como a lembrança em busca da incerteza da vida? Que vidas podemos esconder, se cada vez mais ela está à mostra para quem quiser ver, sentir, optar e até mesmo para amar ou sofrer?
            
Nilto Maciel em seu poema Esconderijos retrata a realidade triste que só fica escondida quando nos fechamos para ela: “No corredor o que fazia a infanta? / Por que não ia, não fugia logo / ou não gritava ou não chorava muito?... // Não sou parede ou árvore de Deus, / não tenho ouvidos e não vejo nada, / nem sei me conduzir por onde passo, / e nada posso desejar por elas, / as tais meninas nos esconderijos”.
            

quarta-feira, 27 de março de 2013

Apontamentos para berliques e berloques (Nilto Maciel)




Muitos de meus contos surgem num repente, inteiros, bloco informe, pedra bruta. De posse deles, conduzo-os à oficina, lavo-os, lapido-os. Outros vêm aos pouquinhos, em gotas ou poções. Aparecem sorrateiramente, ou se anunciam de longe. Aproximam-se de mim e, quando cuido, estão instalados em meus dedos, em meus olhos, em minha cabeça. Aceito-os como filhos ou mimos (não sei quem os manda). Muitas vezes, achegam-me apenas uma ideia, um esboço, uns traços de figuras humanas, fiapos de enredo. Rumino tudo isso (se estiver prestes a dormir ou mesmo em sono profundo) e, no dia seguinte, realizo o traslado das “informações”. Assim fiz, dia desses. Acordei, vislumbrei réstias de sol pela janela encoberta por cortina, sentei-me à beira da cama e caminhei para o banheiro. Entrei em transe, vaguei, cego e desorientado, até a mesa onde vive o computador, e debuxei a mensagem, quase na íntegra: “Personagens: Artur, o marido, 33 anos, engenheiro, viajava de 15 em 15 dias para alto-mar. Falava pouco, trancado quase todo o tempo no que chamava de escritório. Tudo isso deixava Júlia muito apreensiva, nervosa até. Júlia, a mulher, 28 anos, vivia em casa (tinha sido professora na cidade), filha de pequeno comerciante, sem filhos, vaidosa, caixa de madeira cheia de berliques desde que a avó lhe dera os primeiros brincos: berloques, penduricalhos, badulaques, pingentes. Anastácia, menina de oito anos, filha adotiva do casal (deixar isso bem obscuro até o final), meio espantada, alheia, a andar pelos recantos escuros, pelos matos, a contar histórias misteriosas de caixinhas de madeira, de pássaros mudos e invisíveis, de carruagens em trânsito pela estrada. Na verdade, filha de Artur e de Sabrina (mulher do caseiro), quando Júlia teve aborto e nunca mais engravidou. Então Artur conheceu Sabrina (ainda solteira, menor de 16 anos) e lhe prometeu vida boa, se lhe desse um filho. Nasceu uma menina (imediatamente levada a Júlia) e depois se arranjou o casamento de Sabrina com Lucas. Para sacramentar a união, foi-lhes oferecida uma casa, dentro da propriedade. Geraram três seres. Casa de boa aparência, com água encanada, banheiro, três quartos. Lucas cuidava dos cavalos e vigiava a propriedade. Andava armado”.