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quarta-feira, 10 de julho de 2013

Waldemar Solha e o poema cósmico (José Mário da Silva*)



(Esse é o homem)
                Waldemar José Solha, escritor paraibano, é uma espécie de intelectual a que na falta de rótulo mais apropriado poderíamos classificar como performático e transfronteiriço, tantas e tão diversificadas são as áreas em que ele atua e sempre com invulgar competência. Poeta, romancista, ator, dramaturgo, ensaísta, roteirista de cinema, pintor, Waldemar Solha, pluridimensional, é, sobretudo, um inventor de linguagens. Na ficção propriamente dita, já nos tinha brindado com livros como A Canga, Zé Américo foi princeso no trono da monarquia, A Verdadeira Estória de Jesus, Relato de Prócula, dentre outras obras emergidas de uma imaginação sempre pródiga em construir sistemas romanescos marcados por forte diálogo com a história, no qual a tonalidade crítica, não raro portadora de incursionamentos paródicos, ocupa o primeiro plano da diegese. É que, para Waldemar Solha, em ampla sintonia com o que postula Antonio Candido em seu clássico ensaio A Literatura e a Formação do Homem, o fenômeno literário, sobre ser uma modalidade especial de manifestação do conhecimento acerca da realidade mais profunda dos seres e das coisas, é, também, exercício de fantasia criadora e intervenção crítica no real, de modo a revelar as suas fraturas internas e colocar em crise os mascaradores subterfúgios produzidos pelo discurso ideológico. Da ficção, Solha, surpreendentemente, rumou para o território da poesia e deu à luz a uma impressionante trilogia de poemas longos, desgarrados, verdadeiramente torrenciais, em cujo estuário as palavras, sentenças, imagens, conceitos, ritmos, acumpliciados, cumulativamente, num processo de colagem linguística desmedida, assumem, frequentemente, uma atmosfera inescondivelmente surreal, fantástica, libertária, êmula das hierarquizações exatizantes e das demarcações mais ortodoxas dos gêneros literários. Se, com a irrupção da estética romântica os gêneros da literatura assumiram-se dominantemente híbridos e rasurados, os poemas-cordilheira de Waldemar parecem seguir nessa direção aberta, múltipla, quase anárquica, que, no limite, parece ancorar-se no porto de um grito e no cais de um urro poético, que se pretende inteiramente (des)classificados, comunicação total e caotizada, que exige do leitor, que se propuser a enfrentar o (anti)enredo destes poemas caudalosos – Trigal com Corvos, Marco do Mundo e Esse é o Homem – a paciência, a paixão e a cumplicidade com o poema cósmico. Poema cósmico que Waldemar Solha extraiu dos escaninhos da sua razão e sensibilidade. Uma nota final acerca poética macrotextual engendrada por Waldemar Solha: a enorme erudição imanente a quem, com Fernando Pessoa, “deixou ao cego e ao surdo a alma com fronteiras e quis sentir tudo de todas as maneiras”. E o fez nas asas de um pássaro infinito chamado leitura.
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*Docente da UFCG, Universidade Federal de Campina Grande, Paraíba.
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terça-feira, 9 de julho de 2013

O bêbado e o plagiador (Nilto Maciel)



 
(... e a decapitação de Ana Bolena)

Encontrei-me, por acaso, com Jonas Ramalho, músico sem sucesso. Não gosta de ser chamado de músico fracassado. Conhecemo-nos há alguns anos. Bebíamos além do permitido. Naquele tempo, “o bêbado com chapéu-côco,/ fazia irreverências mil/ pra noite do Brasil”. Eu me iniciava na literatura (arranhava uns versos, inventava umas frases). Ele me corrigia: este verbo não está bom aqui; este adjetivo deve ser varrido. Aparentava ser doutor em quase tudo. E o governo? Se conseguir debelar a inflação... Dava de goleada em mim, se falávamos de futebol. O time do Vasco valia uma seleção brasileira. E citava nomes antigos: Barbosa, Bellini, Orlando, Sabará, Ademir, Vavá. Entendia de mulheres: Está vendo aquela de saia verde?