(Esse é o homem)
Waldemar José Solha, escritor paraibano, é uma espécie de intelectual a que na
falta de rótulo mais apropriado poderíamos classificar como performático e
transfronteiriço, tantas e tão diversificadas são as áreas em que ele atua e
sempre com invulgar competência. Poeta, romancista, ator, dramaturgo, ensaísta,
roteirista de cinema, pintor, Waldemar Solha, pluridimensional, é, sobretudo,
um inventor de linguagens. Na ficção propriamente dita, já nos tinha brindado
com livros como A Canga, Zé Américo foi princeso no trono da
monarquia, A Verdadeira Estória de Jesus, Relato de Prócula,
dentre outras obras emergidas de uma imaginação sempre pródiga em construir
sistemas romanescos marcados por forte diálogo com a história, no qual a
tonalidade crítica, não raro portadora de incursionamentos paródicos, ocupa o
primeiro plano da diegese. É que, para Waldemar Solha, em ampla sintonia com o
que postula Antonio Candido em seu clássico ensaio A Literatura e a Formação
do Homem, o fenômeno literário, sobre ser uma modalidade especial de
manifestação do conhecimento acerca da realidade mais profunda dos seres e das
coisas, é, também, exercício de fantasia criadora e intervenção crítica no
real, de modo a revelar as suas fraturas internas e colocar em crise os
mascaradores subterfúgios produzidos pelo discurso ideológico. Da ficção,
Solha, surpreendentemente, rumou para o território da poesia e deu à luz a uma
impressionante trilogia de poemas longos, desgarrados, verdadeiramente
torrenciais, em cujo estuário as palavras, sentenças, imagens, conceitos,
ritmos, acumpliciados, cumulativamente, num processo de colagem linguística
desmedida, assumem, frequentemente, uma atmosfera inescondivelmente surreal,
fantástica, libertária, êmula das hierarquizações exatizantes e das demarcações
mais ortodoxas dos gêneros literários. Se, com a irrupção da estética romântica
os gêneros da literatura assumiram-se dominantemente híbridos e rasurados, os
poemas-cordilheira de Waldemar parecem seguir nessa direção aberta, múltipla,
quase anárquica, que, no limite, parece ancorar-se no porto de um grito e no
cais de um urro poético, que se pretende inteiramente (des)classificados,
comunicação total e caotizada, que exige do leitor, que se propuser a enfrentar
o (anti)enredo destes poemas caudalosos – Trigal com Corvos, Marco do Mundo
e Esse é o Homem – a paciência, a paixão e a cumplicidade com o
poema cósmico. Poema cósmico que Waldemar Solha extraiu dos escaninhos da sua
razão e sensibilidade. Uma nota final acerca poética macrotextual engendrada
por Waldemar Solha: a enorme erudição imanente a quem, com Fernando Pessoa,
“deixou ao cego e ao surdo a alma com fronteiras e quis sentir tudo de todas as
maneiras”. E o fez nas asas de um pássaro infinito chamado leitura.
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*Docente da UFCG, Universidade Federal de Campina
Grande, Paraíba.
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