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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O encontro (Paulo Lima)


 
            Lucy,
            Vou chamá-la assim. Não sei o seu nome. Lucy, como na música dos Beatles. Creio que posso também chamá-la de querida. Querida Lucy. Porque ontem, quando nos reencontramos, depois de tantos anos, redescobri em mim um antigo afeto. Quem diria, hein? O acaso. Eu estava lá num daqueles dias modorrentos, trancafiado na minha rotina de funcionário público. Eu e minha cota de tédio e sacrifício. E você surge do nada, como uma brisa agradável que o passado empurrou para o presente. Você veio pisando com cautela, estudando o terreno. Precisava de uma autorização, algo que eu, naquele momento, poderia resolver, naquela sala, naquele birô, naquele prédio. Então, você se aproximou, sentou-se e estendeu o documento, o documento que eu deveria liberar após um telefonema. E foi o que fiz. Não levei mais do que dois ou três minutos. Eu lhe devolvi o documento com a autorização. Com calma, você assinou seu nome. E enquanto assinava, sem erguer a cabeça, você falou comigo, quase num sussurro, como quem faz uma confidência. “Eu já estudei com o senhor”. Fiz um ar de surpresa, busquei seu olhar.  Quer dizer então que, nesse curto tempo, você me observava.  E me reconheceu, um vulto do passado. Você se apressou em esclarecer: estudara comigo no segundo grau. Quanto tempo faz? Passaram-se mais de 30 anos.  Confrontamos informações. Sim, havíamos sido colegas no colégio. Entre mim e você havia uma espessa cortina do passado. É inevitável que o tempo tenha deixado suas marcas. Notei que você ainda era uma mulher bonita. Senti-me intimidado. Ainda hoje sou um homem tímido. Talvez eu seja a negação do que o poeta escreveu: Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos. Não sei se concordo com ele. Mudamos, mas no fundo permanecemos os mesmos. Ainda sou tímido. E sua beleza, Lucy, me emocionou. Não trocamos mais do que umas poucas palavras. Mas senti que, por um momento, voltamos a ser colegas, como antes. Foi tudo tão fugaz, mas aquele instante deu um sentido especial ao meu dia. Deu uma dimensão ao meu próprio passado. Alguém, uma mulher bonita, lembrou-se de mim, tantos anos depois. Você pegou seu documento e partiu tão silenciosamente como tinha chegado.
           

domingo, 24 de novembro de 2013

Pão (Clauder Arcanjo)




 “A prosperidade, assim como a depressão, também cria as suas filas de pão.”
(E. B. White, em Aqui está Nova York)

Migrara para a grande cidade em busca da riqueza. Mas, veio a depressão, e tudo — sonhos, esperança e vagas — foi para o ralo, na correnteza da crise.
Hoje, a metrópole, feericamente iluminada, palpita. As manchetes dos jornais, em letras graúdas e escuras, anunciam o boom do crescimento — sonhos, esperança e vagas a desfilarem pelas ruas e avenidas. No caso de Silveirinha, na longa fila do pão, restou-lhe tão somente a crise, renhida crise, da prosperidade.

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