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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Balada, Noite nº 35 (Ranieri Basílio)







  












                        (Quadro de Badida Campos)

Marca presença nesta noite
As formas grandes do passado.
Todas que foram, do meu lado,
Vejo, resguardo-as no meu mote.
Não sei se faço bem, se faço
       Sem ter fracasso.

Não, acredito que fazer
Já me permite ver que não.
As forças tornam, nelas são
Passado e agora um uno ser.
Sou eu – meu ser – que se completa
       Nessa tal meta

físicacerta, instante são,
Misericórdia e coração
Falam na voz em que lhes falo,
Escrevem letras do meu punho,
Plantam sementes pelo mundo,
Depois me colhem no plantado.
Nós caminhamos pela estrada
       Meta-plantada.

Só o que resta é o consolo
De poder ver que algo ficou
Plantado. Seja no meu solo
De fala ou noutro que sonhou.
Aqui, grafados no papel,
       Os que sou eu.

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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O encontro (Paulo Lima)


 
            Lucy,
            Vou chamá-la assim. Não sei o seu nome. Lucy, como na música dos Beatles. Creio que posso também chamá-la de querida. Querida Lucy. Porque ontem, quando nos reencontramos, depois de tantos anos, redescobri em mim um antigo afeto. Quem diria, hein? O acaso. Eu estava lá num daqueles dias modorrentos, trancafiado na minha rotina de funcionário público. Eu e minha cota de tédio e sacrifício. E você surge do nada, como uma brisa agradável que o passado empurrou para o presente. Você veio pisando com cautela, estudando o terreno. Precisava de uma autorização, algo que eu, naquele momento, poderia resolver, naquela sala, naquele birô, naquele prédio. Então, você se aproximou, sentou-se e estendeu o documento, o documento que eu deveria liberar após um telefonema. E foi o que fiz. Não levei mais do que dois ou três minutos. Eu lhe devolvi o documento com a autorização. Com calma, você assinou seu nome. E enquanto assinava, sem erguer a cabeça, você falou comigo, quase num sussurro, como quem faz uma confidência. “Eu já estudei com o senhor”. Fiz um ar de surpresa, busquei seu olhar.  Quer dizer então que, nesse curto tempo, você me observava.  E me reconheceu, um vulto do passado. Você se apressou em esclarecer: estudara comigo no segundo grau. Quanto tempo faz? Passaram-se mais de 30 anos.  Confrontamos informações. Sim, havíamos sido colegas no colégio. Entre mim e você havia uma espessa cortina do passado. É inevitável que o tempo tenha deixado suas marcas. Notei que você ainda era uma mulher bonita. Senti-me intimidado. Ainda hoje sou um homem tímido. Talvez eu seja a negação do que o poeta escreveu: Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos. Não sei se concordo com ele. Mudamos, mas no fundo permanecemos os mesmos. Ainda sou tímido. E sua beleza, Lucy, me emocionou. Não trocamos mais do que umas poucas palavras. Mas senti que, por um momento, voltamos a ser colegas, como antes. Foi tudo tão fugaz, mas aquele instante deu um sentido especial ao meu dia. Deu uma dimensão ao meu próprio passado. Alguém, uma mulher bonita, lembrou-se de mim, tantos anos depois. Você pegou seu documento e partiu tão silenciosamente como tinha chegado.