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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Conversa de botequim (Carlúcio Bicudo)




— Bom-dia, Geraldo. Tudo bem com você?
— Mas ou menos, Alfredo.
— Pela sua expressão, estou vendo que a coisa não anda boa para o seu lado. O que foi que houve?
— Caro amigo, lá onde moro a bandidagem está demais. Todo dia tem um presunto na esquina... Minha mulher anda dizendo que irá me largar, caso eu não arrume um outro canto para morarmos.
— É, esses bandidos tomaram conta mesmo da nossa cidade, Geraldo.
— E para piorar a situação, estou desempregado, Alfredo.
— Putz... Estou vendo que as coisas não estão nada fáceis para o seu lado. Mas mantenha calma que tudo irá se arranjar.
— Arranjar? Como, Alfredo? Sem emprego e sendo ameaçado de separação? A nega lá em casa não dá mole, não. Quando ela bate o pé, sai de baixo, porque vem chumbo grosso.
— Tá mesmo difícil para o seu lado, amigo.
— Minha vida está mesmo um caos, Alfredo.
— Traga mais uma cerveja, pediu Alfredo ao dono do bar.
— Alfredo, não peça mais. Não vou poder dividir a despesa com você hoje.
— Calma, Geraldo, hoje a cerveja é por minha conta.
— Sabe, Alfredo, para completar a minha desgraça, minha filha de 15 anos está grávida do primo de 17 anos. E tudo cai nas minhas costas. Agora vou ter mais duas bocas para alimentar. O cabra do meu sobrinho não é chegado a trabalho. Ele só pensa em ser jogador de futebol.
— Mas, pelo menos, ele joga bem? Está treinando em algum time?
— Que nada, Alfredo! Ele joga num timinho de terra batida lá perto de casa. Só faz firula e nada mais.  E o pior, o pai do desgraçado disse: “Quem mandou você não prender a sua cabrita no cio. O meu bode crio solto!”
— Nossa senhora! E você ainda teve que aguentar isso?         
— Quase que voei na goela dele, mas recuei ao lembrar que o safado é cria do Maurinho Bacurau, o maior traficante do bairro. Sabe como é, desafeto de bandido veste mais cedo o paletó de madeira. Ainda sou muito jovem para visitar São Pedro...
— Agora, os bandidos entraram numa de querer expulsar alguns moradores de pontos estratégicos para eles montarem suas fortalezas.
— Poxa, amigo, sua vida está realmente de cabeça para baixo disse Alfredo.
— E o pior de tudo, a minha nega agora resolveu fazer greve de sexo enquanto eu não arrumar  outra casa em outro bairro. Ando na maior secura.
— Porra!, amigo, não sei o que lhe falar, mas acho que você anda precisando passar num terreiro para se benzer.
— Ué! Tá pensando que eu não fui!  Já estive lá no centro da cabocla Jurema... Ela disse que em sete dias minha mulher estaria de boa comigo...
— Mas deu certo, Geraldo?
— Deu nada! É por isso que estou aqui enchendo a cara. Quando você chegou, eu já tinha tomado umas cinco doses de pinga. Preciso afogar as mágoas. Só assim, esqueço temporariamente as mazelas da minha vida.
— É, companheiro, não sei como aliviar sua dor. Só posso acompanhar você na cerva, e ouvir você desabar, se é que isso adianta como consolo. 

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